[forum-prof] Chico de Oliveira no Valor Economico (27/maio/2009)
LuizEduardo2
luizeduardo2 at infolink.com.br
Thu May 28 10:45:46 BRT 2009
<http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?dtmateria=27-5-2009&codmateria=5587189&codcategoria=195&tp=12&searchTerm=francisco_de_oliveira>"Consenso
despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de FHC"
Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu
penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas
depois declarou voto pela reeleição de Lula em 2006...
A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política. Lula
estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e havia a
esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo
mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não
houve nenhuma mudança e essa chance passou. O governo de Lula,
concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos
direitos. Do ponto de vista da condução econômica é uma administração
medíocre, que pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que
não tem nenhum domínio da situação. Economicamente o governo Lula é
um barco à deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e
caso contrário, não.
Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?
Lula está à direita de Fernando Henrique [Cardoso] ao não recompor as
estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O
presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela
cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma
dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política,
porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação
popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010
percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT
e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua
candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.
O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o
terceiro mandato?
Sim, porque Lula aparece, para os olhos de determinados segmentos do
meio político e popular, como o homem providencial. E neste sentido a
possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. Getúlio [Vargas]
ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito bem surgir
um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a continuidade do governo.
E o senhor acha que o povo irá às ruas?
Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm
capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma
questão como essa.
Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas
conseguiram se firmar como alternativas a Lula?
Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, Lula tornou-se
infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais, que
estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível
ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque Heloísa
Helena, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma
alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se
transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste consenso.
Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo
destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue
ter referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança...
Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por
vezes passa uma ideia equivocada do que foi [Juan Domingo] Perón na
Argentina. O Perón não despolitizou o país. Sob o vezo do
autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos
tal que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No
caso de Lula, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do
espaço da política na sociedade.
O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de
poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e mulheres?
Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o
conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se
mata as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio
destas clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O
problema do Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade
mulata, e não pode ser resolvido por políticas afirmativas étnicas,
diferentemente do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, onde a chave
étnica é decisiva. Para resolver os problemas de exclusão social no
Brasil, é preciso enfrentar problemas de classe. A política de cotas
só faz reafirmar a exclusão. Qual as chances concretas que um negro
com grau universitário obtido graças às cotas ampliação de direitos
combatem a discriminação.
O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada
conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro,
Lula já não se elegeu sob este signo?
Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular
crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição
em eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à
crônica de 2002, foi um processo longo. Lula foi eleito com uma base
progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele
faria a seguir.
Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o
primeiro mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética,
dos quais o do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância
popular destes problemas foi zero?
Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a
questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os
exemplos recentes de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia. Gostaria que
tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo em
eleições brasileiras e não será na próxima.
Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos
sete anos?
Que crítica a oposição pode fazer ao governo Lula? Objetivamente
nenhuma. Os governadores José Serra e Aécio Neves estão do mesmo
lado. Em termos concretos, já há tempos a oposição deixou de existir.
Isto porque a política no Brasil perdeu a capacidade decisória.
Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?
Rejeito ambos por motivos diferentes. Aécio parece mais um político
superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma
opinião dele que impressionasse. Serra é uma surpresa. Faz um governo
gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a
universidade pública. É um político que gradualmente se converteu,
quando vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande
líder conservador.
Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo ano?
A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a
articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje
talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do
outro... a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência
de São Paulo com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e
do Norte. É uma disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum
ponto político, nenhuma discussão de concepção propriamente política.
Ao criar um consenso, Lula foi fortemente despolitizador. É uma
dinâmica diferente do tempo de Fernando Henrique. Fernando Henrique
buscou subjugar as forças contrárias, Lula as desmobiliza.
E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?
Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria
de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam
limitadas as possibilidades de crescimento. O mais importante deles,
que é o MST, busca saídas para a sobrevivência.
Esta desmobilização política não é um fenômeno global?
Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] Sarkozy, um
direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack] Obama,
que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha, Ângela
Merkel faz uma conciliação que junta sociais democratas e
conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo
mundo está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de
anulação das posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a
desigualdade é muito maior.
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