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<font size=3><br><br>
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</font><div align="center"><font size=5 color="#800080"><b>
<a href="http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?dtmateria=27-5-2009&codmateria=5587189&codcategoria=195&tp=12&searchTerm=francisco_de_oliveira">
"Consenso despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de
FHC"</a> <br><br>
<br>
</font></div>
<font size=3>Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu
penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas depois
declarou voto pela reeleição de Lula em 2006... <br>
</b>A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política.
<b>Lula</b> estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e
havia a esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo
mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não houve
nenhuma mudança e essa chance passou. O <b>governo de Lula</b>,
concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos direitos.
Do ponto de vista da condução econômica é uma administração medíocre, que
pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que não tem nenhum
domínio da situação. Economicamente o <b>governo Lula</b> é um barco à
deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e caso
contrário, não.<br><br>
<b>Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?<br>
Lula</b> está à direita de <b>Fernando Henrique</b> [Cardoso] ao não
recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos.
O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela
cooptação dos mais pobres. O <b>Bolsa Família</b> não é um direito, mas
uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política,
porque no <b>governo Lula</b> houve uma diminuição do grau de
participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de
2010 percebe-se como <b>Lula</b> resulta regressivo. Com a força perdida
pelo PT e a ausência de alternativas de <b>Lula</b>, uma vez que a doença
de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.
<br><br>
<b>O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o
terceiro mandato?<br>
</b>Sim, porque <b>Lula</b> aparece, para os olhos de determinados
segmentos do meio político e popular, como o homem providencial. E neste
sentido a possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. <b>Getúlio
[Vargas</b>] ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito
bem surgir um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a
continuidade do governo.<br><br>
<b>E o senhor acha que o povo irá às ruas?<br>
</b>Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm
capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma
questão como essa. <br><br>
<b>Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas conseguiram
se firmar como alternativas a Lula?<br>
</b>Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, <b>Lula</b>
tornou-se infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais,
que estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível
ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque <b>Heloísa
Helena</b>, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma
alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se
transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste
consenso. <br><br>
<b>Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo
destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue ter
referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança... <br>
</b>Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por
vezes passa uma ideia equivocada do que foi [<b>Juan Domingo] Perón</b>
na Argentina. O <b>Perón</b> não despolitizou o país. Sob o vezo do
autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos tal
que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No caso de
<b>Lula</b>, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do
espaço da política na sociedade.<br><br>
<b>O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de
poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e
mulheres?<br>
</b>Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o
conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se mata
as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio destas
clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O problema do
Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade mulata, e não pode ser
resolvido por políticas afirmativas étnicas, diferentemente do que ocorre
na Bolívia e na Venezuela, onde a chave étnica é decisiva. Para resolver
os problemas de exclusão social no Brasil, é preciso enfrentar problemas
de classe. A política de cotas só faz reafirmar a exclusão. Qual as
chances concretas que um negro com grau universitário obtido graças às
cotas ampliação de direitos combatem a discriminação. <br><br>
<b>O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada
conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro, Lula
já não se elegeu sob este signo?<br>
</b>Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular
crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição em
eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à crônica de
2002, foi um processo longo. <b>Lula</b> foi eleito com uma base
progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele
faria a seguir.<br><br>
<b>Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o primeiro
mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética, dos quais o
do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância popular destes
problemas foi zero?<br>
</b>Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a
questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os
exemplos recentes de [Paulo] <b>Maluf</b> e [Orestes] <b>Quércia</b>.
Gostaria que tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo
em eleições brasileiras e não será na próxima.<br><br>
<b>Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos
sete anos?<br>
</b>Que crítica a oposição pode fazer ao governo <b>Lula</b>?
Objetivamente nenhuma. Os governadores <b>José Serra</b> e <b>Aécio
Neves</b> estão do mesmo lado. Em termos concretos, já há tempos a
oposição deixou de existir. Isto porque a política no Brasil perdeu a
capacidade decisória.<br><br>
<b>Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?<br>
</b>Rejeito ambos por motivos diferentes. <b>Aécio</b> parece mais um
político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi
uma opinião dele que impressionasse. <b>Serra</b> é uma surpresa. Faz um
governo gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a
universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando
vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande líder
conservador.<br><br>
<b>Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo
ano?<br>
</b>A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a
articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje
talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do outro...
a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência de São Paulo
com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e do Norte. É uma
disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum ponto político, nenhuma
discussão de concepção propriamente política. Ao criar um consenso, Lula
foi fortemente despolitizador. É uma dinâmica diferente do tempo de
Fernando Henrique. Fernando Henrique buscou subjugar as forças
contrárias, <b>Lula</b> as desmobiliza.<br><br>
<b>E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?<br>
</b>Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria
de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam limitadas as
possibilidades de crescimento. O mais importante deles, que é o
<b>MST</b>, busca saídas para a sobrevivência.<br><br>
<b>Esta desmobilização política não é um fenômeno global?<br>
</b>Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] <b>Sarkozy</b>,
um direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack]
<b>Obama</b>, que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha,
<b>Ângela Merkel</b> faz uma conciliação que junta sociais democratas e
conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo mundo
está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de anulação das
posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a desigualdade é muito
maior.<br><br>
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