[forum-prof] Manobras e Trapaças, by Leher
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Tue Sep 9 17:25:34 BRT 2008
MANOBRAS, TRAPAÇAS E COAÇÃO PARA DESMEMBRAR A
BASE DO ANDES-SN OBJETIVANDO SILENCIÁ-LO
Roberto Leher (FEUFRJ)
Como se fosse um ato burocrático e corriqueiro,
um pequeno (mas capitalizado) grupo de
professores, desconhecidos da imensa maioria de
docentes que compõe as universidades federais,
publicou em alguns jornais um edital convocando
uma Assembléia de transformação da ONG que
assessora o MEC em um "sindicato". Se vivêssemos
em um contexto jurídico de pluralismo sindical,
infelizmente inexistente em virtude de
dispositivo constitucional, a iniciativa estaria
circunscrita ao debate político na base e dado a
forma de convocatória passaria despercebido. Mas
a convocação para que a referida assembléia
ocorresse na sede nacional da CUT em São Paulo,
um dos estados com menor número de universidades
federais (a única da capital reafirma que o
Andes-SN é sua entidade legítima), atesta que o
objetivo é de outra magnitude e que, a despeito
das aparências, os seus verdadeiros proponentes
são outros: a CUT, a ONG que assessora o MEC no
campo sindical e o próprio governo federal que
atribui a uma chapa derrotada na eleição para o
Andes-SN o status de entidade sindical.
O histórico dessa ONG que assessora o MEC permite
confirmar que esse "sindicato" está sendo criado
para oferecer ao MEC uma casamata nas
universidades em defesa dos projetos
governamentais. Para a CUT, interessa a sua
criação, pois, além de contribuir para o
propósito da Central de enquadrar os sindicatos
na condição de correias de transmissão do
governo, abre caminho no serviço público para o
recolhimento compulsório do imposto sindical
atualmente não efetivado pelas entidades
sindicais democráticas que recusam o sindicalismo
atrelado ao Estado. Tanto para o governo, como
para a CUT, pelos mesmos motivos, importa
modificar a natureza da intervenção dos
professores das grandes causas da educação
brasileira para uma ação sindical estritamente
econômico-corporativa. Não casualmente, três
horas após a citada assembléia, a Agência Brasil
de Comunicação, subordinada à Secretaria de
Comunicação do Governo Federal, noticiava a
criação do sindicato em tom ufanista, acusando o Andes-SN de partidarismo[1].
Não é possível explicar o suporte econômico a
esse grupo e o seu acesso aos gabinetes e meios
de comunicação governamentais sem considerar os
vasos comunicantes entre o governo e a CUT. A
simbiose da Central com o governo e com o Estado
foi nutrida pelas verbas do Fundo de Amparo ao
Trabalhador ao longo da última década. Com a
eleição de Lula da Silva, a interdependência é
tão estreita que um presidente da CUT "dormiu"
dirigente sindical e "acordou" ministro do
trabalho para fazer uma reforma trabalhista que
"flexibilizaria" o trabalho e que, até alguns
anos atrás, a CUT rejeitava peremptoriamente.
Abandonado o princípio axial da autonomia que
levou os sindicatos combativos e classistas a
lutarem pela criação da Central, os seus
dirigentes já não têm constrangimento em defender
a unicidade e o imposto sindical nos velhos
moldes do sindicalismo-de-Estado estudado por Evaristo de Moraes Filho[2].
A congruência de objetivos e formas de agir do
Proifes-CUT não poderia ser diferente, pois a
Central vem assessorando o grupo de professores
que está a frente desse processo desde a única
eleição para o Andes-SN em que foram vitoriosos
em 1998 e, notadamente, nas sucessivas eleições
em que foram derrotados após o campo autônomo e
democrático derrotá-lo em 2000, ao final do único
mandato em que estiveram a frente do Andes-SN.
Provavelmente foi a CUT quem indicou que, não
podendo vencer o pleito direto e democrático para
a direção do Sindicato Nacional, a alternativa
seria promover o desmembramento do Andes-SN,
criando um sindicato que apartaria os docentes
das IFES das demais universidades.
Os piores temores sobre como seria realizada a
Assembléia foram confirmados. O esquema de
segurança diante da sede da CUT e o aparato para
"legitimar" a fraude constituída poderiam ser o
cenário de "Hoffa - Um Homem, Uma Lenda", de
1992, dirigido por Danny De Vito e protagonizado
por Jack Nicholson. Não pela impetuosidade de
Jimmy Hoffa que fez do sindicato dos
caminhoneiros uma organização poderosa ao reunir
no Teamsters quase todos os caminhoneiros do
país, mas pelo uso da violência, de golpes e
trapaças contra os seus adversários.
O edital de convocação da Assembléia estabelecia
o início das atividades para as 15h. Desde
meio-dia, professores contrários ao
desmembramento do Andes-SN constataram que os
portões estavam fechados e, quando um grande
número de docentes chegou à sede da CUT, após
14h, o aparato de segurança estava montado. Três
linhas de segurança impediam o livre acesso dos
mais de 200 docentes de 36 universidades que
desejavam se manifestar contra o desmembramento do Andes-SN.
A trapaça para fraudar a democracia e impedir o
acesso dos docentes foi feita de modo aberto. Os
seguranças somente deixavam entrar um professor
por vez. Após passar pela primeira barreira dos
seguranças, o professor era conduzido à única
mesa de credenciamento para preencher um cadastro
(tendo que comprovar seu vínculo com uma
universidade federal) e, a seguir, encaminhado à
outra mesa para assinar o livro de presença e ser
submetido à minuciosa revista corporal. Máquinas
fotográficas, filmadoras, celulares e gravadores
foram apreendidos: não poderia haver provas do
que se passaria na AG. Somente após essas
coerções é que o professor poderia se dirigir a
um auditório com pouco mais que 100 lugares
(embora a base das IFES ultrapasse 50 mil
docentes). Entre a entrada e a liberação da
revista, 10 minutos se passavam. Somente após
este périplo o segurança deixava o próximo
professor entrar na sede da CUT. Para que todos
pudessem entrar, no ritmo imposto pela
organização, seriam necessários 3h e 30 min.
Enquanto os docentes contrários teriam que entrar
a conta-gotas, o aparato já havia sido acionado e
o complexo processo de deliberação de criação do
sindicato, do estatuto e da nova diretoria foi
feito em exóticos 15 minutos. As 15h15min tudo estava deliberado.
Os professores que puderam acompanhar o que se
passou na AG relatam outras situações
fraudulentas. Embora não previsto em Edital (e o
fato de ser uma situação inusitada, pois
obviamente permeável a fraudes), surgiram votos
por procuração que somaram um total de 485.
Segundo a mesa que presidia os trabalhos, os
docentes efetivamente presentes totalizaram 115
professores, situação que não podia ser
comprovada, pois havia diversos representantes da
diretoria da CUT, entre os quais o Secretário
João Felício e Julio Turra, bem como da CONTEE,
entre outros, e, como já salientado, o auditório
da sede da CUT não comporta mais de 100 pessoas.
Detalhe: nenhum documento foi apresentado pelos
que informavam os votos dos quais eram
portadores. Eis o porquê da apreensão de câmaras, filmadoras e celulares.
Em contraste com essas práticas antidemocráticas,
o ANDES-SN construiu sua legitimidade em um
intenso e longo processo histórico. Nascido a
partir da criação das associações de docentes em
meados dos anos 1970, fazendo frente ao AI-5 e ao
decreto 477, as associações foram um meio de luta
em defesa da autonomia da universidade e de sua
democratização. Ainda no contexto da ditadura
empresarial-militar, as associações docentes se
reuniram em uma Associação Nacional de Docentes
em 1981, quando surgiu a Andes. Atuando com
outras entidades, como a OAB e de outras
categorias do serviço público, a Andes se
empenhou na luta em defesa do direito a
sindicalização dos servidores públicos, afinal
conquistada na Carta de 1988. A transformação da
ANDES em Sindicato Nacional dos Docentes das
Instituições de Ensino Superior demandou debates
públicos, eleição de delegados em todas as
instituições que faziam parte da ANDES, em número
proporcional ao tamanho da base em cada
instituição, em um processo que demorou pouco
mais de dois anos. Em contraposição, o pretenso
sindicato foi convocado por um edital firmado por
um grupo de docentes reunidos em uma ONG sem qualquer debate de base.
Não é preciso ser um estudioso do Direito para
saber que os procedimentos adotados pela CUT para
o desmembramento do ANDES-SN são ilegais e
ilegítimos. Certamente, haverá pronunciamento da
justiça nesse sentido, mas não é possível ignorar
que os interesses governamentais em torno desse
processo se farão sentir, tanto pela referida
simbiose CUT- governo, como pelo interesse de
silenciar o ANDES-SN. Aqui reside a gravidade dos
acontecimentos. Se não fosse pelos nexos com o
aparato governamental, estaríamos diante de um
ato de violência, fraude e trapaças sindicais. Mas é muito mais do que isso.
A seqüência dos acontecimentos é impressionante.
A partir de questionamentos sem outras motivações
que não o recolhimento do imposto sindical,
alguns SINPROS objetaram a representação do
ANDES-SN nas instituições privadas. Essas
contendas existiam desde o final dos anos 1990,
mas somente no governo Lula da Silva motivaram a
suspensão do registro sindical do Andes-SN. A
seguir, o Ministério do Trabalho edita portaria
exigindo o recadastramento das entidades
representativas dos trabalhadores do serviço
público para fins da manutenção do processo de
recolhimento das contribuições voluntárias de
seus sindicalizados por meio da folha de
pagamento, como acontece desde os anos 1980. Mas
condicionam o recolhimento das contribuições ao
registro sindical. Coincidência? A seguir, o
mesmo ministério edita nova Portaria (186),
"flexibilizando" o desmembramento de sindicatos e
atribuindo ao governo o poder de escolher quem tem a representatividade.
Os nexos são evidentes. É a maior intervenção
governamental nos sindicatos desde a ditadura
empresarial-militar. Mas diferente de então,
agora isso é operado em conluio com as maiores
centrais sindicais do país. Nesse caso, a
constituição do feixe
sindicato-governo-trabalhadores-patrões que
caracterizaram o fascismo não é somente uma
analogia vazia: é o ovo da serpente que ameaça a democracia no país.
A reação do Andes-SN está referenciada em uma
estratégia que tem como esteio a legitimidade de
sua história. Existem batalhas jurídicas, de
ordem tática, importantíssimas. A ilegalidade de
tudo o que aconteceu até o momento é tão evidente
que prevalecerá um posicionamento positivo ao
Andes-SN. Mas uma ofensiva de tal envergadura
somente pode ser respondida à altura pelas ações
políticas. O diálogo verdadeiro com o conjunto
dos docentes das IFES, esclarecendo o que está em
curso, tem de fazer parte do núcleo sólido de
todo esse processo. A energia criadora do
movimento estudantil autônomo, o apoio da
intelectualidade crítica, das entidades
democráticas, das instituições universitárias,
por meio de seus colegiados, tudo isso tem de ser
feito com tal força e verdade que incendiará a
indignação ativa dos docentes que saberão, nas
palavras e nos gestos, defender a sua entidade
construída ao longo de quase três décadas, lado a
lado com as entidades democráticas que reconhecem
o Andes-SN como um dos pilares da causa da educação pública no país.
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[1]
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/09/06/materia.2008-09-06.9064581521/view
[2] Moraes Filho, E. (1978), O problema do
sindicato único no Brasil: seus fundamentos
sociológicos. 2 ed., São Paulo, Alfa-Omega.
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