[forum-prof] Universidade Transgênica e aluguel de imagem
Prof. Luiz Eduardo
luizeduardo at pharma.ufrj.br
Thu Jul 15 21:55:12 BRT 2004
A entrevista abaixo, ao jornal da ADUFRJ, resultou de uma sugestão da ANDES
ao jornal, após assistir depoimento que dei à Comissão de Educação do
Senado Federal. Gostaria de, oportunamente, inserir esse tipo de problema
em nossas discussões aqui neste forum.
A questão "dinheiro", aqui na universidade, não se restringe a salarios,
GEDs e GIDs.
Na sociedade do espetáculo, tem muito professor fazendo aluguel de imagem
e, ao alugar a dele, queima a minha junto.
E nem é essa minha primeira preocupação.
Luiz Eduardo
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CONFLITO SOBRE TRANSGÊNICOS
REFLETE CRISE DA UNIVERSIDADE
ENTREVISTA/LUIZ EDUARDO R. DE CARVALHO
Professor do Laboratório de Consumo e Saúde (LabConsS)
da Faculdade de Farmácia da UFRJ, Luiz Eduardo R. de Carvalho
aborda a questão dos transgênicos para esta edição do Jornal da Adufrj,
em entrevista concedida por e-mail.
Formado como Engenheiro de Alimentos (pela Unicamp, em 1974),
foi professor do Departamento de Agronomia da UnB,
e do Instituto de Nutrição da UFRJ.
Está na FF/UFRJ desde agosto de 1989.
Foi por duas vezes presidente da
Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos
(no período de 1986 a 1990).
Para Luiz Eduardo, o conflito sobre as vantagens e riscos dos transgênicos
no país
retrata a crise da universidade brasileira.
1) Parece que todos já têm uma posição contra ou a favor transgênicos. O
senhor é contra ou a favor?
Eu sou a favor, embora todos que me ouvem insistam que falo contra. Mas não
vejo como poderia, um professor universitário, ser contra todo e qualquer
transgênico. A modificação genética é uma invenção da inteligência humana.
É de uma bactéria transgênica, por exemplo, que se extrai a insulina para
os diabéticos. O problema é que cada caso é um caso. E o cidadão brasileiro
parece não ter nada a ganhar com a soja transgênica. Por que seria a favor?
2) Mas será que o cidadão comum entende de genética, de transgenia, de
genoma e pode ter uma opinião sobre assunto cientificamente tão complexo?
Sim, se em vez de definições com terminologia científica, oferecermos
exemplos. A partir dos exemplos reais, qualquer pessoa pode perfeitamente
entender do que estamos tratando e pode ter uma opinião. Não uma opinião
científica; mas uma opinião de consumidor. E isso deve ser também respeitado.
3) Que exemplos seriam esses?
Se dermos apenas exemplos de organismos modificados para produzir remédios,
como o da bactéria que produz insulina, claro que quase todos seremos a
favor da transgenia. Mas é preciso, por outro lado, lembrar do hormônio
transgênico, aplicado nas vacas para produzir mais leite, trazendo risco à
saúde das crianças que tomam esse leite; ou do milho Bt, com genes de
Bacillus thuringiensis, milho que então produz toxina bacteriana, mortal
para insetos; ou dessa soja RR, da Monsanto, que por ser transgênica, e ao
contrário do capim que se quer matar, sobrevive ao despejo de herbicidas
sobre a lavoura. Ou o exemplo do salmão transgênico, que come
exageradamente, e alcança, em um ano, o tamanho de um salmão de 60 meses,
como se já não bastasse o monte de porcaria que se usa para fazê-lo ficar
artificialmente vermelho, como se não bastasse os aditivos que injetam no
presunto, nos frangos, no polvo e no camarão, para que incorporem água, e
roubem o consumidor no peso.
4) Como o senhor vê essa disputa entre os favoráveis e os contrários aos
transgênicos?
Existe uma guerra midiática, visando conquistar corações e mentes, pró e
contra os organismos geneticamente modificados (OGMs). O uso e abuso da
semiologia e da lingüística, a serviço das ambigüidades e das meias
verdades, são algumas das armas do combate. Só que a arma principal,
obviamente, é dinheiro. Estamos tratando mais de palavras que de genes e
risco. Palavras tornam-se armas não apenas pelo viés da persuasão cultural
e psicológica. Mas também pelo viés jurídico, nas manobras inseridas na
regulação oficial. Os pró-OGM dizem que não se deve proibir, mas deixar a
decisão para o mercado, para o consumidor. Porém, ao mesmo tempo, negam-se
a rotular os produtos. Sem rótulo, como poderá o consumidor exercer seu
poder de optar?
5) Podemos rotular os alimentos transgênicos?
Só podemos escrever, no rótulo de um frasco, o nome do conteúdo, se esse
conteúdo tiver um nome e esse nome tiver uma definição muito precisa. E
isso não existe para OGMs e, menos ainda, para alimentos transgênicos.
OGM é uma coisa e comida, alimento transgênico, é outra. Em alguns casos,
são sinônimos, mas isso é muito raro. Claro que no caso do salmão
transgênico, trata-se de um organismo transgênico que é, ao mesmo tempo,
alimento transgênico. O mesmo vale para soja ou milho em grão. Mas não vale
para o óleo extraído do milho, ou para a lecitina extraída da soja, que nem
são organismos, e sequer contém genes. Óleo, lecitina, enzimas, pigmentos,
edulcorantes, vitaminas, hormônios, essas substâncias extraídas dos
organismos transgênicos não podem ser rotuladas como OGMs, não são
organismos, nem contêm genes convencionais ou modificados. São alimentos;
não são organismos.
6) Então é praticamente impossível rotular?
Pelo contrário, rotular é possível e necessário. O problema é definir o que
é alimento transgênico. Creio que, para o consumidor, o óleo feito de soja
transgênica, e a margarina feita desse óleo, e a empadinha que contém essa
margarina, tudo isso deva ser rotulado, informando a origem transgênica,
estando ou não, ainda presentes, os genes da soja modificada. É também o
caso de todo queijo hoje industrializado no Brasil, que usa quimosina
transgênica como coalho, e não informa isso no rótulo. Entendo que rotular
não vise alertar sobre risco à saúde, pois dependendo do risco nem deveria
estar sendo vendido. Rotular visa orientar o consumidor, e este escolhe sua
comida culturalmente, hedonisticamente, financeiramente, ideologicamente.
Ninguém compõe seu cardápio diário a partir unicamente do que tem maior ou
menor risco sanitário. Não é só de genética ou de nutrição e toxicologia
que os transgênicos são feitos. Eles são feitos também de símbolos, de
imaginários e atitudes. Comida é isso. E rotular é viável. O que não é
viável é vender transgênico rotulado, porque vai ser rejeitado, e porque
ficaria exageradamente caro segregar e rotular.
7) A decisão sobre a liberação ou não de transgênicos deve ser técnica ou
política?
Todos renegam o termo, e se dizem apoiados na ciência, inclusive o Lula.
Mas é óbvio que é uma questão ideológica, que está sendo administrada
ideologicamente. Não é preciso saber genética para entender isso do que
estamos aqui tratando. Claro que os geneticistas são entusiastas dessa
tecnologia. Mas o processo decisório, as atividades reguladoras, as ações
de biossegurança, a proteção da saúde do consumidor, e as estratégias
comerciais do agronegócio brasileiro, obviamente, são variáveis de outro
universos, distantes e distintos da biologia molecular. Assim como a
transgenia não é feita por voluntaristas, mas pela inteligência e pelo
trabalho, a regulação também exige saberes muito específicos. Os
geneticistas brasileiros precisam é se ocupar da invenção transgênica, de
fazer o Brasil ser mais competente que a Monsanto, esse é o trabalho deles,
e temos que assegurar recursos e liberdade para isso. Mas muitos deles
vivem na TV, instrumentalizados como lobistas, dando pitacos ridiculamente
furados em nutrição, toxicologia, biossegurança, economia, legislação
sanitária, rotulagem, meio ambiente etc.
8) O senhor esteve, semanas atrás, em uma audiência pública no Senado para
debater o assunto. Como foi?
No Senado, foi exatamente assim. Um destacado biólogo molecular da USP,
agora associado com a Votorantim para montar uma indústria biotecnológica,
não falou nada de biologia molecular, usando todo seu tempo para explicar,
não como empresário que é, mas como professor que um dia foi, que os
transgênicos são a única saída para evitar a fome no mundo. O outro
depoente, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), centrou
sua fala nos fantásticos medicamentos que a transgenia vai gerar, acabando
com as filas de criancinhas doentes e sem cura nas filas dos hospitais
públicos. De quebra, argumentou que é claro que os agricultores sempre
serão pró-OGM, porque podem ganhar milhões de dólares por hectare, caso
plantem soja GM para produzir hormônio do crescimento. E o conferencista,
que veio do Hospital do Câncer de São Paulo, optou por denunciar o que
chamou de calúnias contra os OGMs, assegurando que a soja GM não vai ter
mais resíduos de agrotóxicos que a soja convencional. Só esqueceu que a
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está, neste exato
momento, por coincidência, alterando a legislação, de forma a permitir
quantidade 50 vezes maior desse exato herbicida da Monsanto na soja. Assim
fica muito difícil debater. Isso não é um debate técnico-científico, não é
um diálogo entre cientistas, mas um tribunal, onde todos falam como
advogados, defendendo seu cliente em vez de trocar informações, e onde todo
argumento pode ser colocado na mesa, ainda que inconsistente, ainda que
apenas atrapalhe a compreensão dos fatos.
9) Qual a função da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
nesta história?
A CTNBio é um cartório como tantos outros. Boa parte dos pesquisadores é a
favor da CTNBio na expectativa de descolar um carguinho lá e, com isso,
como um camelô do Largo da Carioca, ter um ponto comercial privilegiado,
para ali fazer contato com o mercado, captando patrocínios e vendendo
serviços. Uma agência que decide quais OGMs podem ser liberados ou não,
pode e deve convidar professores e cientistas para atuar como consultores,
mas não pode delegar o poder decisório a convidados informais. É imperativo
que seja uma agência formal, institucionalizada, com pessoal concursado,
estabilidade funcional e plano de carreira. E não de gente que vai a
Brasília a cada dois meses, para trabalhar de graça, voando de manhã
cedinho, para voltar no início da noite, correndo, aproveitando o horário
do almoço para dar um pulinho na Capes e no CNPq, com a cabeça mais nestes
assuntos, que nos assuntos da CTNBio. Ademais, a CTNBio diz que tem
representantes da comunidade científica, mas quem os elege não são os ditos
assim representados, mas o próprio ministro, sabe-se lá com quais
critérios e interesses. Isso é um papo mais longo e tem a ver com o
desmanche da maquina pública, com o desmanche do Estado. Quando apóia isso,
a Universidade está só dando força para essa máquina que vai desmanchá-la
também todinha. Professor pode entender de dar aula de genética, de
orientar doutorandos e de publicar trabalho, mas CTNBio e regulação é um
outro universo. É outro método para outro objeto. Não pode ser um mero
objeto de desejo.
10) Qual a relação deste tema com a Universidade brasileira?
Bem, de certa forma, esse conflito sobre vantagens e riscos dos
transgênicos, no Brasil, essa confusão, é também retrato da crise da
universidade brasileira. Quem vai patrocinar pesquisas independentes sobre
riscos nutricionais e toxicológicos dos transgênicos? A Embrapa, que
fabrica OGMs, e mantém um contrato secreto, com a Monsanto, anuncia que o
fará no laboratório que está montando em Guaratiba (o CTAA, que é o Centro
de Tecnologia Agrícola). Esse centro foi criado para dar apoio à indústria.
Não existem centros para dar apoio à proteção para a saúde, ao consumidor
e, se a universidade vai sendo empurrada para gerar receita, para prestar
serviço às indústrias, aí é que não vamos ter mesmo nenhuma pesquisa nesse
campo da saúde. Cabe ressaltar que, muitas das vezes, ao prestar
servicinhos laboratoriais, a universidade está apenas sendo cooptada, por
alguns trocados, fazendo análises que as multinacionais nem precisam. E os
funcionários do Estado acabam fazendo isso por uma ninharia. Basta ver a
esfuziante alegria com que departamentos de pediatria, de nossas
universidades, respondem a minguadas doações da Nestlé para pequenas obras
civis, em prédios degradados pela omissão do governo. Mas dá para confiar
na isenção desses pesquisadores? Será mesmo confiável a palavra e os
pareceres dos cientistas que viajam para congressos na Europa com dinheiro
da Monsanto, como se pode ler nos próprios boletins das empresas?
11) Fale do seu trabalho na UFRJ e sua relação com os transgênicos
Nosso trabalho é principalmente criar conteúdos e linguagens para informar
a sociedade sobre consumo e saúde pública. Os atores envolvidos com a
polêmica transgênica não querem informar, querem convencer, cooptar, e
argumentam como advogados, defendendo uma causa, pró ou contra. Nesse jogo,
omitem, mentem, confundem. A confusão está aí não por acaso. Ela se dá
porque a figura de uma universidade pública e socialmente orientada está
fragilizada.
O LabConsS Laboratório de Consumo e Saúde, da Faculdade de Farmácia da
UFRJ, realiza um trabalho muito modesto, mais de treinamento e capacitação
de recursos humanos do que propriamente de pesquisas científicas ou defesa
do consumidor. Mesmo assim, mesmo modesto, é um trabalho de enorme destaque
no cenário brasileiro, com repercussão internacional. Isso não é motivo de
satisfação, mas de preocupação. Se alcançamos tal sucesso, sendo tão
pequenos, é porque esse setor está realmente abandonado pelo Estado.
Aproveito para convidar que visitem o site em
<http://www.ufrj.br/consumo>www.ufrj.br/consumo. Bolsistas do PET/SESu
respondem perguntas de consumidores, e produzem clippings diários de
notícias, sobre transgênicos, medicamentos, dietéticos etc. Interações e
parcerias com outros setores da UFRJ seriam bem vindas.
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