<html>
<body>
<h1><font color="#000080"><b>A entrevista abaixo, ao jornal da ADUFRJ,
resultou de uma sugestão da ANDES ao jornal, após assistir depoimento que
dei à Comissão de Educação do Senado Federal. Gostaria de, oportunamente,
inserir esse tipo de problema em nossas discussões aqui neste 
forum.<br>
A questão "dinheiro", aqui na universidade, não se restringe a
salarios, GEDs e GIDs.<br>
Na sociedade do espetáculo, tem muito professor fazendo aluguel de imagem
e, ao alugar a dele, queima a minha junto.<br>
E nem é essa minha primeira preocupação.<br>
Luiz Eduardo<br>
</font><div align="center"><font size=4>============================================<br><br>
<br>
CONFLITO SOBRE TRANSGÊNICOS<br>
REFLETE CRISE DA UNIVERSIDADE</b></font></h1></div>
 <br>
<div align="center"><h1><font size=1><b>ENTREVISTA/LUIZ EDUARDO R. DE
CARVALHO</b></font></h1></div>
 <br>
<div align="right"><i>Professor do Laboratório de Consumo e Saúde
(LabConsS)<br>
 da Faculdade de Farmácia da UFRJ, Luiz Eduardo R. de Carvalho 
<br>
aborda a questão dos transgênicos para esta edição do Jornal da Adufrj,
<br>
em entrevista concedida por e-mail. <br>
Formado como Engenheiro de Alimentos (pela Unicamp, em 1974),<br>
 foi professor do Departamento de Agronomia da UnB, <br>
e do Instituto de Nutrição da UFRJ. <br>
Está na FF/UFRJ desde agosto de 1989. <br>
Foi por duas vezes presidente da <br>
Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos <br>
(no período de 1986 a 1990). <br>
Para Luiz Eduardo, o conflito sobre as vantagens e riscos dos
transgênicos no país <br>
 retrata a crise da universidade brasileira.<br>
</i></div>
<b> <br>
 <br>
1) Parece que todos já têm uma posição contra ou a favor transgênicos. O
senhor é contra ou a favor?<br>
</b>Eu sou a favor, embora todos que me ouvem insistam que falo contra.
Mas não vejo como poderia, um professor universitário, ser contra todo e
qualquer transgênico. A modificação genética é uma invenção da
inteligência humana. É de uma bactéria transgênica, por exemplo, que se
extrai a insulina para os diabéticos. O problema é que cada caso é um
caso. E o cidadão brasileiro parece não ter nada a ganhar com a soja
transgênica. Por que seria a favor?<br>
 <br>
<b>2) Mas será que o cidadão comum entende de genética, de transgenia, de
genoma e pode ter uma opinião sobre assunto cientificamente tão
complexo?<br>
</b>Sim, se em vez de definições com terminologia científica, oferecermos
exemplos. A partir dos exemplos reais, qualquer pessoa pode perfeitamente
entender do que estamos tratando e pode ter uma opinião. Não uma opinião
científica; mas uma opinião de consumidor. E isso deve ser também
respeitado.<br>
 <br>
3) Que exemplos seriam esses?<br>
Se dermos apenas exemplos de organismos modificados para produzir
remédios, como o da bactéria que produz insulina, claro que quase todos
seremos a favor da transgenia. Mas é preciso, por outro lado, lembrar do
hormônio transgênico, aplicado nas vacas para produzir mais leite,
trazendo risco à saúde das crianças que tomam esse leite;  ou do
milho Bt, com genes de <i>Bacillus thuringiensis</i>, milho que então
produz toxina bacteriana, mortal para insetos; ou dessa soja RR, da
Monsanto, que por ser transgênica, e ao contrário do capim que se quer
matar, sobrevive ao despejo de herbicidas sobre a lavoura. Ou o exemplo
do salmão transgênico, que come exageradamente, e alcança, em um ano, o
tamanho de um salmão de 60 meses, como se já não bastasse o monte de
porcaria que se usa para fazê-lo ficar artificialmente vermelho, como se
não bastasse os aditivos que injetam no presunto, nos frangos, no polvo e
no camarão, para que incorporem água, e roubem o consumidor no 
peso.<br>
 <br>
<b>4) Como o senhor vê essa disputa entre os favoráveis e os contrários
aos transgênicos?<br>
</b>Existe uma guerra midiática, visando conquistar corações e mentes,
pró e contra os organismos geneticamente modificados (OGMs). O uso e
abuso da semiologia e da lingüística, a serviço das ambigüidades e das
meias verdades, são algumas das armas do combate. Só que a arma
principal, obviamente, é dinheiro. Estamos tratando mais de palavras que
de genes e risco. Palavras tornam-se armas não apenas pelo viés da
persuasão cultural e psicológica. Mas também pelo viés jurídico, nas
manobras inseridas na regulação oficial. Os pró-OGM dizem que não se deve
proibir, mas deixar a decisão para o mercado, para o consumidor. Porém,
ao mesmo tempo, negam-se a rotular os produtos. Sem rótulo, como poderá o
consumidor exercer seu poder de optar?<br>
<b> <br>
5) Podemos rotular os alimentos transgênicos?<br>
</b>Só podemos escrever, no rótulo de um frasco, o nome do conteúdo, se
esse conteúdo tiver um nome e esse nome tiver uma definição muito
precisa. E isso não existe para OGMs e, menos ainda, para alimentos
transgênicos.<br>
OGM é uma coisa e comida, alimento transgênico, é outra. Em alguns casos,
são sinônimos, mas isso é muito raro. Claro que no caso do salmão
transgênico, trata-se de um organismo transgênico que é, ao mesmo tempo,
alimento transgênico. O mesmo vale para soja ou milho em grão. Mas não
vale para o óleo extraído do milho, ou para a lecitina extraída da soja,
que nem são organismos, e sequer contém genes. Óleo, lecitina, enzimas,
pigmentos, edulcorantes, vitaminas, hormônios, essas substâncias
extraídas dos organismos transgênicos não podem ser rotuladas como OGMs,
não são organismos, nem contêm genes convencionais ou modificados. São
alimentos; não são organismos.<br>
 <br>
<b>6) Então é praticamente impossível rotular?<br>
</b>Pelo contrário, rotular é possível e necessário. O problema é definir
o que é alimento transgênico. Creio que, para o consumidor, o óleo feito
de soja transgênica, e a margarina feita desse óleo, e a empadinha que
contém essa margarina, tudo isso deva ser rotulado, informando a origem
transgênica, estando ou não, ainda presentes, os genes da soja
modificada. É também o caso de todo queijo hoje industrializado no
Brasil, que usa quimosina transgênica como coalho, e não informa isso no
rótulo. Entendo que rotular não vise alertar sobre risco à saúde, pois
dependendo do risco nem deveria estar sendo vendido. Rotular visa
orientar o consumidor, e este escolhe sua comida culturalmente,
hedonisticamente, financeiramente, ideologicamente. Ninguém compõe seu
cardápio diário a partir unicamente do que tem maior ou menor risco
sanitário. Não é só de genética ou de nutrição e toxicologia que os
transgênicos são feitos. Eles são feitos também de símbolos, de
imaginários e atitudes. Comida é isso. E rotular é viável. O que não é
viável é vender transgênico rotulado, porque vai ser rejeitado, e porque
ficaria exageradamente caro segregar e rotular.<br>
 <br>
7) A decisão sobre a liberação ou não de transgênicos deve ser técnica ou
política?<br>
Todos renegam o termo, e se dizem apoiados na ciência, inclusive o Lula.
Mas é óbvio que é uma questão ideológica, que está sendo administrada
ideologicamente. Não é preciso saber genética para entender isso do que
estamos aqui tratando. Claro que os geneticistas são entusiastas dessa
tecnologia. Mas o processo decisório, as atividades reguladoras, as ações
de biossegurança, a proteção da saúde do consumidor, e as estratégias
comerciais do agronegócio brasileiro, obviamente, são variáveis de outro
universos, distantes e distintos da biologia molecular. Assim como a
transgenia não é feita por voluntaristas, mas pela inteligência e pelo
trabalho, a regulação também exige saberes muito específicos. Os
geneticistas brasileiros precisam é se ocupar da invenção transgênica, de
fazer o Brasil ser mais competente que a Monsanto, esse é o trabalho
deles, e temos que assegurar recursos e liberdade para isso. Mas muitos
deles vivem na TV, instrumentalizados como lobistas, dando pitacos
ridiculamente furados em nutrição, toxicologia, biossegurança, economia,
legislação sanitária, rotulagem, meio ambiente etc.<br>
 <br>
<b>8) O senhor esteve, semanas atrás, em uma audiência pública no Senado
para debater o assunto. Como foi?<br>
</b>No Senado, foi exatamente assim. Um destacado biólogo molecular da
USP, agora associado com a Votorantim para montar uma indústria
biotecnológica, não falou nada de biologia molecular, usando todo seu
tempo para explicar, não como empresário que é, mas como professor que um
dia foi, que os transgênicos são a única saída  para evitar a fome
no mundo. O outro depoente, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária), centrou sua fala nos fantásticos medicamentos que a
transgenia vai gerar, acabando com as filas de criancinhas doentes e sem
cura nas filas dos hospitais públicos. De quebra, argumentou que é claro
que os agricultores sempre serão pró-OGM, porque podem ganhar milhões de
dólares por hectare, caso plantem soja GM para produzir hormônio do
crescimento. E o conferencista, que veio do Hospital do Câncer de São
Paulo, optou por denunciar o que chamou de calúnias contra os OGMs,
assegurando que a soja GM não vai ter mais resíduos de agrotóxicos que a
soja convencional. Só esqueceu que a Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) está, neste exato momento, por “coincidência”,
alterando a legislação, de forma a permitir quantidade 50 vezes maior
desse exato herbicida da Monsanto na soja. Assim fica muito difícil
debater. Isso não é um debate técnico-científico, não é um diálogo entre
cientistas, mas um tribunal, onde todos falam como advogados, defendendo
seu cliente em vez de trocar informações, e onde todo argumento pode ser
colocado na mesa, ainda que inconsistente, ainda que apenas atrapalhe a
compreensão dos fatos.<br>
 <br>
<b>9)  Qual a função da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) nesta história?<br>
</b>A CTNBio é um cartório como tantos outros. Boa parte dos
pesquisadores é a favor da CTNBio na expectativa de descolar um carguinho
lá e, com isso, como um camelô do Largo da Carioca, ter um ponto
comercial privilegiado, para ali fazer contato com o mercado, captando
patrocínios e vendendo serviços. Uma agência que decide quais OGMs podem
ser liberados ou não, pode e deve convidar professores e cientistas para
atuar como consultores, mas não pode delegar o poder decisório a
convidados informais. É imperativo que seja uma agência formal,
institucionalizada, com pessoal concursado, estabilidade funcional e
plano de carreira. E não de gente que vai a Brasília a cada dois meses,
para trabalhar de graça, voando de manhã cedinho, para voltar no início
da noite, correndo, aproveitando o horário do almoço para dar um pulinho
na Capes e no CNPq, com a cabeça mais nestes assuntos, que nos assuntos
da CTNBio. Ademais, a CTNBio diz que tem representantes da comunidade
científica, mas quem os elege não são os ditos assim “representados”, mas
o próprio ministro, sabe-se lá com quais critérios e interesses. Isso é
um papo mais longo e tem a ver com o desmanche da maquina pública, com o
desmanche do Estado. Quando apóia isso, a Universidade está só dando
força para essa máquina que vai desmanchá-la também todinha. 
Professor pode entender de dar aula de genética, de orientar doutorandos
e de publicar trabalho, mas CTNBio e regulação é um outro universo. É
outro método para outro objeto. Não pode ser um mero objeto de
desejo.<br>
<b> <br>
10) Qual a relação deste tema com a Universidade brasileira?<br>
</b>Bem, de certa forma, esse conflito sobre vantagens e riscos dos
transgênicos, no Brasil, essa confusão, é também retrato da crise da
universidade brasileira. Quem vai patrocinar pesquisas independentes
sobre riscos nutricionais e toxicológicos dos transgênicos? A Embrapa,
que fabrica OGMs, e mantém um contrato secreto, com a Monsanto, anuncia
que o fará no laboratório que está montando em Guaratiba (o CTAA, que é o
Centro de Tecnologia Agrícola). Esse centro foi criado para dar apoio à
indústria. Não existem centros para dar apoio à proteção para a saúde, ao
consumidor e, se a universidade vai sendo empurrada para gerar receita,
para prestar serviço às indústrias, aí é que não vamos ter mesmo nenhuma
pesquisa nesse campo da saúde. Cabe ressaltar que, muitas das vezes, ao
prestar servicinhos laboratoriais, a universidade está apenas sendo
cooptada, por alguns trocados, fazendo análises que as multinacionais nem
precisam. E os funcionários do Estado acabam fazendo isso por uma
ninharia. Basta ver a esfuziante alegria com que departamentos de
pediatria, de nossas universidades, respondem a minguadas doações da
Nestlé para pequenas obras civis, em prédios degradados pela omissão do
governo. Mas dá para confiar na isenção desses pesquisadores? Será mesmo
confiável a palavra e os pareceres dos cientistas que viajam para
congressos na Europa com dinheiro da Monsanto, como se pode ler nos
próprios boletins das empresas?<br>
 <br>
<b>11) Fale do seu trabalho na UFRJ e sua relação com os
transgênicos<br>
</b>Nosso trabalho é principalmente criar conteúdos e linguagens para
informar a sociedade sobre consumo e saúde pública. Os atores envolvidos
com a “polêmica transgênica” não querem informar, querem convencer,
cooptar, e argumentam como advogados, defendendo uma causa, pró ou
contra. Nesse jogo, omitem, mentem, confundem. A confusão está aí não por
acaso. Ela se dá porque a figura de uma universidade pública e
socialmente orientada está fragilizada.<br>
O LabConsS – Laboratório de Consumo e Saúde, da Faculdade de Farmácia da
UFRJ, realiza um trabalho muito modesto, mais de treinamento e
capacitação de recursos humanos do que propriamente de pesquisas
científicas ou defesa do consumidor. Mesmo assim, mesmo modesto, é um
trabalho de enorme destaque no cenário brasileiro, com repercussão
internacional. Isso não é motivo de satisfação, mas de preocupação. Se
alcançamos tal sucesso, sendo tão pequenos, é  porque esse setor
está realmente abandonado pelo Estado. Aproveito para convidar que
visitem o site em
<a href="http://www.ufrj.br/consumo">www.ufrj.br/consumo</a>. Bolsistas
do PET/SESu respondem perguntas de consumidores, e produzem
<i>clippings</i> diários de notícias, sobre transgênicos, medicamentos,
dietéticos etc. Interações e parcerias com outros setores da UFRJ seriam
bem vindas.<br>
</body>
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