[forum-prof] L.I.X.O.

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Mon Jan 11 12:44:17 BRST 2010


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*Folha de São Paulo, 03 de janeiro de 2010
*+Marcelo Leite*
*L.I.X.O.
**/Físico egípcio descobre como pôr a estatística a serviço de si mesmo/*
**
*//*



Falta ao Brasil um cientista tão empreendedor quanto Mohamed El Naschie. 
O físico egípcio, que se apresenta como conselheiro do Ministério de 
Ciência e Tecnologia de seu país, embora more no Reino Unido, fez uma 
descoberta sensacional: como pôr a estatística a serviço do homem comum 
(no caso, ele mesmo). Por ora, sua descoberta só foi aplicada num campo 
específico da matemática aplicada, a cienciometria, disciplina 
estatística que emprega métodos quantitativos confiáveis para medir a 
produtividade de cada instituição de pesquisa, periódico científico ou 
cientista individual. Até agora ela só fazia a fortuna de conglomerados 
de informação, como a empresa Thomson Reuters-ISI.
Se fosse brasileiro, El Naschie teria um currículo Lattes de cair o 
queixo. Produziu quatro centenas de artigos publicados em periódicos 
especializados acompanhados (indexados) pela ISI Web of Science, uma 
base de dados da Thomson Reuters que permite esmiuçar a vida acadêmica 
de qualquer pesquisador expressivo. Seus trabalhos já foram citados umas 
5.000 vezes, indicador forte do impacto que os estudos tiveram na 
comunidade científica internacional.
El Naschie fundou e editou durante anos o periódico "Chaos, Solitons and 
Fractals" (CSF). Entre as 65 publicações da categoria Aplicações 
Interdisciplinares de Matemática classificadas pela Thomson-Reuters, 
"CSF" ocupava a segunda posição em 2007. Há alguns problemas com a 
produção do egípcio, no entanto. Nos últimos anos, seus adversários se 
deram conta de que mais de 300 dos 400 artigos publicados por El Naschie 
o foram no próprio "CSF" por ele editado. A denúncia está na edição de 
dezembro do boletim "Siam News", da Sociedade de Matemática Industrial e 
Aplicada, com sede em Filadélfia (EUA).
Há mais. Das 4.992 citações obtidas pelo físico, cerca de 2.000 são de 
trabalhos editados no mesmo "CSF", boa parte deles de autoria do próprio 
El Naschie. A autocitação é um expediente comum em ciência, mas em geral 
condenado como uma forma artificial e antiética de melhorar as próprias 
estatísticas de produtividade. Acha pouco? Fique sabendo então que El 
Naschie tem estreita colaboração com Ji-Huan He, da Universidade Donghua 
de Xangai. He, que também atua como editor do "CSF", fundou em 2000 o 
periódico "International Journal of Nonlinear Science and Numerical 
Simulation" (IJNSNS). O "IJNSNS" tem em seu corpo de editores, claro, o 
colega egípcio. Nesta altura o leitor perspicaz já terá adivinhado que 
He e El Naschie publicam copiosamente nos periódicos um do outro. Também 
abundam as trocas de citações, uma colaboração científica de resultados 
inquestionáveis.
He e o "IJNSNS" patrocinaram uma reunião científica na Universidade 
Donghua, lê-se no "Siam News". Os anais do encontro foram publicados no 
periódico "Journal of Physics: Conference Series" (JPCS), que não se 
responsabiliza pela verificação ("peer review") da qualidade dos 
trabalhos. A reunião de He na Donghua ocupou um volume inteiro do JPCS, 
em 2008, com 221 artigos. Neles se encontram 366 citações a outros 
artigos do "IJNSNS" e 353 referências a He.
Alguém devia abrir um Laboratório Interdisciplinar de Xenotransplantes e 
Ozonoterapia no Brasil. Ou, quem sabe, obter financiamento público para 
editar um periódico intitulado "Brazilian Library of Advanced 
Biotechnology, Laboratory Agrosciences and Biomolecular Low-cost 
Analysis". Fariam o maior sucesso -bastando não usar as siglas na 
publicação dos milhares de estudos que produzirão.


Folha de São Paulo, 10 de janeiro de 2010
*+Marcelo Leite*
*Fenômeno editorial *
*/Não é a primeira vez que a Elsevier se enrola com denúncias de falhas/*

O verdadeiro fenômeno da blogosfera não são os próprios blogs, mas os 
comentários que os leitores deixam neles. É cada uma...
A coluna da semana passada, "L.I.X.O.", sobre a portentosa produtividade 
do egípcio Mohamed El Naschie, teve trechos reproduzidos no blog Ciência 
em Dia. Apenas o suficiente para dar uma ideia da controvérsia sobre 
centenas de artigos e milhares de citações do pesquisador, boa parte no 
periódico de matemática aplicada editado por ele mesmo, "Chaos, Solitons 
and Fractals" (CSF).
E não é que houve gente saindo em sua defesa? Em lugar de ponderar as 
informações objetivas publicadas sobre as práticas de El Naschie, um 
leitor encontrou na blogosfera -e comprou por seu valor de face (zero)- 
uma teoria conspiratória: o egípcio seria vítima de pessoas acusadas de 
plagiar artigos do próprio El Naschie.
De fato existiu uma acusação de plágio, envolvendo artigo na revista de 
divulgação científica "Scientific American". É um rolo longo demais para 
desenrolar aqui. Além disso, em nada afeta os prodígios editoriais de El 
Naschie à frente do periódico "CSF".
Importa é saber que a casa editora de "CSF", o famoso conglomerado 
holandês Elsevier, desembarcou El Naschie. Decerto identificou coisas 
estranhas no periódico por ele fundado, mas do qual "se aposentou", 
segundo informa laconicamente a companhia.
A economia de palavras pela Elsevier faz suspeitar que tenha sido 
processada por El Naschie. Assim ocorreu com a revista britânica 
"Nature" e o jornal alemão "Die Zeit", que relataram o milagre da 
multiplicação das citações ("CSF" tem um fator de impacto 3, ou seja, em 
média cada artigo seu termina citado três vezes por outros trabalhos, um 
índice muito bom).
A empresa não encontrou ainda um novo editor para "CSF". Suspendeu 
temporariamente a recepção de novos artigos para "peer review" 
(auditoria de qualidade por outros pesquisadores que é tradição em 
publicações científicas). Apesar disso, a Elsevier continua cobrando 
4.204 euros -mais de R$ 10 mil- da biblioteca que assinar a revista.
Não se trata de crucificar a Elsevier, "uma comunidade global de 7.000 
editores de periódicos científicos, 70 mil membros de conselhos 
editoriais, 300 mil revisores e 600 mil autores" (como se apresenta na 
internet). Não deve mesmo ser fácil manter controle sobre 2.000 
periódicos, entre eles muitos de renome inconteste, como "Cell" (fator 
de impacto 30).
A Elsevier também se vangloria de promover o mecanismo de "peer review" 
por 125 anos. Ora, tal sistema existe justamente para garantir a 
qualidade e a honestidade das pesquisas publicadas. Basta um "CSF" para 
deixar sob suspeita todo o acervo, assim como uma laranja podre pode pôr 
a caixa inteira a perder.
Não é a primeira vez que a editora se vê enrolada em denúncias de falhas 
graves no controle de qualidade. Em maio passado, a Elsevier reconheceu 
em nota que sua filial australiana havia publicado nada menos que seis 
periódicos científicos falsos, todos com títulos começando por 
"Australasian Journal of...".
Em realidade, eram compilações de artigos não inéditos patrocinadas pela 
empresa farmacêutica Merck (não por coincidência, favoráveis a produtos 
seus). O patrocínio não vinha explicitado nas publicações, editadas com 
aparência de periódicos médicos de verdade.
Um leitor mais afoito de blogs poderia concluir dos dois casos que a 
Elsevier faz parte de um complô para pôr sob suspeita toda a literatura 
científica. Para variar, estaria errado.
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