[forum-prof] Proifes, Gaza, Lattes e Mediocridade

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Mon Jan 19 17:34:58 BRST 2009



19 de janeiro de 2009
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LUIZ FELIPE PONDÉ

A luz


Um ético de plantão faz pose de indignação sem colocar em prática 
boas condutas em seu quintal



UMA LEITORA pergunta: "O que é um ético de plantão?". O repúdio de 
algumas universidades brasileiras ao bombardeio da universidade de 
Gaza é um exemplo. Afora o fato de que não sabemos se o reitor ou o 
Exército mentiu (a rápida opinião de que prédios civis não sejam 
bases militares em Gaza já evidencia o amadorismo da discussão), o 
que chama a atenção é a rapidez com que os acadêmicos (minha tribo) 
se dispõem ao repúdio.

Intelectuais e artistas deveriam ser mais cuidadosos quando se fazem 
bastiões da ética, pois o mundo da arte e da cultura é marcado por 
toda forma de abuso de poder e vícios corporativos. Um ético de 
plantão faz poses de indignação sem nenhuma prática ética em seu 
quintal. A pose de indignação virou ferramenta do marketing. Claro 
que a vida real se dá em meio a um equilíbrio sutil de vício e 
virtude. Só que nosso ético de plantão negará isso, vendendo uma pose 
de quem vive fora desse mar cinzento.

Neste verão, confesso, estou assombrado pelos fantasmas machadianos: 
"Suporta-se bem a cólica alheia", diria Brás Cubas sobre esses 
plantonistas. A causa dessas assombrações é a longa exposição ao 
silêncio do campo desabitado e a escuridão. Aqui, tempestades nos 
deixam na escuridão pré-luz elétrica, e temos uma por dia. Fatos como 
esses nos devolvem às nossas origens: a luz elétrica é um dos 
bastiões da civilização contra as trevas. Acredito mais na luz da 
CPFL do que na do Iluminismo.

Voltemos à minha tribo. Muita gente boa (Carpeaux, Paulo Francis, 
Ortega y Gasset, Nisbet, Oakeshott) já falou sobre essa nova classe 
média produzida pela indústria universitária: engenheiros, médicos, 
cientistas, sociólogos, filósofos profissionais que entendem muito de 
uma coisa apenas, mas que têm opiniões fáceis sobre todo o resto. 
Nada mais bárbaro do que "o" especialista.

Esse bárbaro, a partir de seu pequeno diploma, emite juízos sobre, 
digamos, se devemos ou não colonizar a Lua, partindo de suas 
minúsculas manias que não se sabem manias. Confesso: também tenho as 
minhas. Exemplos? Creio que somos motivados mais por paixões 
ordinárias do que por grandes ideias, penso que mentimos a maior 
parte do tempo, principalmente quando falamos em nome do "bem 
coletivo", confio mais em quem se crê mal do que em quem se crê a 
favor do bem, tenho medo de que o medo seja mais essencial do que o 
amor e de que, na ausência de luz elétrica, nossas almas penadas nos visitem.

Por volta do século 13, os monastérios perderam o lugar de bastiões 
do conhecimento para as então recém-fundadas universidades. Temo que, 
assim como os monastérios medievais viraram poços de vícios e 
bandidagem, nossas universidades também sucumbam ao peso da 
mediocridade e do mau-caratismo. Lá em nome do imaginário do inferno, 
sei lá, cá em nome da miséria burocrática e da "produtividade".

Cara leitora, veja como agem muitos dos éticos de plantão da minha 
tribo, os mesmos que choram pela universidade em Gaza. Eles não se 
deteriam diante do aniquilamento de colegas unicamente porque 
discordam deles. Usariam o poder institucional para negar verbas de 
pesquisa a seus "inimigos", motivados por conflitos de interesses bem 
mais mesquinhos do que o conflito de Gaza. O discurso "do coletivo" 
na universidade quase sempre serve mais à ditadura da igualdade 
miserável do que à liberdade da diferença que faz diferença: a 
competência. Lobbies políticos destroem carreiras promissoras 
sorrindo pelos corredores.

Mas existem dramas gerados pela própria estrutura industrial do 
"produto científico", diria Adorno. O discurso da produtividade, sua 
quantificação e burocracia matam o cotidiano acadêmico. Reuniões 
intermináveis são gastas garantindo que não teremos tempo para nada 
de relevante. A solução é "produzir mais produtividade". Assim, os 
burocratas da produtividade prestam serviço à mais vil preguiça intelectual.
Milhares de artigos que não serão lidos são publicados em centenas de 
revistas que não serão tampouco lidas. Um mar de "objetividade 
irrelevante". Mas isso tudo ocupa tempo, gera pontuações e dá emprego 
ao banal. O que ganhamos com isso? A garantia de que a maior parte de 
nós estará ocupada com a burocracia da produtividade.

Mas por que aceitamos esse desfile de mediocridade organizada? 
Simples, cara leitora: porque a mediocridade, como uma boa mãe, cuida 
do futuro dos seus filhos.


<mailto:luiz.ponde at grupofolha.com.br>luiz.ponde at grupofolha.com.br
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