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</font><div align="right"><font size=1>19 de janeiro de
2009</font><font size=3> <br>
<img src="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/images/ilustrad.gif" width=220 height=29 alt="[]">
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<img src="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/images/ilubar.gif" width=500 height=1 alt="[]">
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<div align="center"><font size=2 color="#000080"><b>LUIZ FELIPE
PONDÉ<br><br>
</font><font size=6><u>A luz</b> <br><br>
<br>
</u></font><font size=3><b><i>Um ético de plantão faz pose de indignação
sem colocar em prática boas condutas em seu quintal <br><br>
<br><br>
</i></b></div>
UMA LEITORA pergunta: "O que é um ético de plantão?". O repúdio
de algumas universidades brasileiras ao bombardeio da universidade de
Gaza é um exemplo. Afora o fato de que não sabemos se o reitor ou o
Exército mentiu (a rápida opinião de que prédios civis não sejam bases
militares em Gaza já evidencia o amadorismo da discussão), o que chama a
atenção é a rapidez com que os acadêmicos (minha tribo) se dispõem ao
repúdio.<br><br>
Intelectuais e artistas deveriam ser mais cuidadosos quando se fazem
bastiões da ética, pois o mundo da arte e da cultura é marcado por toda
forma de abuso de poder e vícios corporativos. Um ético de plantão faz
poses de indignação sem nenhuma prática ética em seu quintal. A pose de
indignação virou ferramenta do marketing. Claro que a vida real se dá em
meio a um equilíbrio sutil de vício e virtude. Só que nosso ético de
plantão negará isso, vendendo uma pose de quem vive fora desse mar
cinzento.<br><br>
Neste verão, confesso, estou assombrado pelos fantasmas machadianos:
"Suporta-se bem a cólica alheia", diria Brás Cubas sobre esses
plantonistas. A causa dessas assombrações é a longa exposição ao silêncio
do campo desabitado e a escuridão. Aqui, tempestades nos deixam na
escuridão pré-luz elétrica, e temos uma por dia. Fatos como esses nos
devolvem às nossas origens: a luz elétrica é um dos bastiões da
civilização contra as trevas. Acredito mais na luz da CPFL do que na do
Iluminismo.<br><br>
Voltemos à minha tribo. Muita gente boa (Carpeaux, Paulo Francis, Ortega
y Gasset, Nisbet, Oakeshott) já falou sobre essa nova classe média
produzida pela indústria universitária: engenheiros, médicos, cientistas,
sociólogos, filósofos profissionais que entendem muito de uma coisa
apenas, mas que têm opiniões fáceis sobre todo o resto. Nada mais bárbaro
do que "o" especialista.<br><br>
Esse bárbaro, a partir de seu pequeno diploma, emite juízos sobre,
digamos, se devemos ou não colonizar a Lua, partindo de suas minúsculas
manias que não se sabem manias. Confesso: também tenho as minhas.
Exemplos? Creio que somos motivados mais por paixões ordinárias do que
por grandes ideias, penso que mentimos a maior parte do tempo,
principalmente quando falamos em nome do "bem coletivo", confio
mais em quem se crê mal do que em quem se crê a favor do bem, tenho medo
de que o medo seja mais essencial do que o amor e de que, na ausência de
luz elétrica, nossas almas penadas nos visitem.<br><br>
Por volta do século 13, os monastérios perderam o lugar de bastiões do
conhecimento para as então recém-fundadas universidades. Temo que, assim
como os monastérios medievais viraram poços de vícios e bandidagem,
nossas universidades também sucumbam ao peso da mediocridade e do
mau-caratismo. Lá em nome do imaginário do inferno, sei lá, cá em nome da
miséria burocrática e da "produtividade".<br><br>
Cara leitora, veja como agem muitos dos éticos de plantão da minha tribo,
os mesmos que choram pela universidade em Gaza. Eles não se deteriam
diante do aniquilamento de colegas unicamente porque discordam deles.
Usariam o poder institucional para negar verbas de pesquisa a seus
"inimigos", motivados por conflitos de interesses bem mais
mesquinhos do que o conflito de Gaza. O discurso "do coletivo"
na universidade quase sempre serve mais à ditadura da igualdade miserável
do que à liberdade da diferença que faz diferença: a competência. Lobbies
políticos destroem carreiras promissoras sorrindo pelos
corredores.<br><br>
Mas existem dramas gerados pela própria estrutura industrial do
"produto científico", diria Adorno. O discurso da
produtividade, sua quantificação e burocracia matam o cotidiano
acadêmico. Reuniões intermináveis são gastas garantindo que não teremos
tempo para nada de relevante. A solução é "produzir mais
produtividade". Assim, os burocratas da produtividade prestam
serviço à mais vil preguiça intelectual.<br>
Milhares de artigos que não serão lidos são publicados em centenas de
revistas que não serão tampouco lidas. Um mar de "objetividade
irrelevante". Mas isso tudo ocupa tempo, gera pontuações e dá
emprego ao banal. O que ganhamos com isso? A garantia de que a maior
parte de nós estará ocupada com a burocracia da produtividade.<br><br>
Mas por que aceitamos esse desfile de mediocridade organizada? Simples,
cara leitora: porque a mediocridade, como uma boa mãe, cuida do futuro
dos seus filhos.<br><br>
<br>
<b><a href="mailto:luiz.ponde@grupofolha.com.br">
luiz.ponde@grupofolha.com.br<br>
</a></font></b></body>
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