[forum-prof] [educa-tutorial] Quem determina o fato histórico?

Rebecca Nicolich rebeccanicolich at yahoo.com
Sun Jan 11 12:31:39 BRST 2009


Correio Braziliense, 11/01/2009.

Quem determina o fato histórico?

Jaime Pinsky

Embora não se possa confundir pesquisa com docência, é muito bom 
quando o pesquisador tenha preocupações didáticos e o professor se 
aprofunde na investigação. Ocorre, então, retroalimentaçao salutar 
entre a sistematização e o aprofundamento - uma, fundamental nas 
aulas; o outro, imprescindível na pesquisa. Ambos úteis nos dois casos.

Há perfis que não se amoldam a uma ou outra das tarefas: o 
investigador competente porém "travado" ou o mestre brilhante mas 
incapaz de aventuras de espírito mais profundas, por exemplo. Há, 
contudo, certo esnobismo por parte de uma série de pesquisadores que 
acham que sua fala deve, necessariamente, ser inacessível ao comum 
dos mortais.

Convencer esses espécimes a praticar a modéstia da clareza é tarefa 
inglória. Pior ainda são os medíocres, por sinal a imensa maioria dos 
acadêmicos, a descer dos saltos e escrever, ou falar de modo a serem 
compreendidos. Nesse caso há um medo compreensível: se seu discurso 
for entendido, a pobreza dele ficará mais à mostra. Ele é o 
especialista em relatórios, o campeão da burocracia. Não é 
intelectual, senão o burocrata do conhecimento.

Há poucos anos um grupo de historiadores de talento, preocupados com 
o divórcio então (e ainda) existente entre a universidade e o ensino 
de história escreveu um pequeno livro que já teve numerosas edições e 
tem influenciado gerações de professores e estudantes. O ensino de 
História e a criação do fato (o nome do livro) não questionava apenas 
o modo pelo qual alguns fatos são considerados "históricos" e outros 
não, ou quem determina a historicidade dos fatos, mas ia fundo na 
discussão sobre que história interessa ensinar num país como o nosso.

Vinte anos após a primeira edição do livro, os autores decidiram 
atualizar formalmente os textos, mantendo, contudo, o conteúdo. Sua 
atualidade (mais triste do que animadora em alguns casos) poderá nos 
ajudar a compreender melhor a história. Não resisti e extraí da obra 
frases reveladoras que transcrevo abaixo para (espero) o prazer 
intelectual dos meus supostos leitores, aos quais, evidentemente, 
desejo um ano de paz e alegria.

"Da maneira como a maioria dos manuais insiste em nos apresentar a 
História, esta parece ser, efetivamente, a 'a ciência do passado'."

"A transmissão da ideia de um passado separado de viver social 
articula-se com o sentido de um tempo imutável, dogmático."

"Cada nação conta uma história diferente. O que é guerra de 
libertação para uma é de opressão para outra."

"Outro valor que aparece em nossos livros de história é a ideia de um 
Brasil sem preconceito racial, onde cada um colabora com aquilo que 
tem para a felicidade geral. O negro com a pimenta, o carnaval e o 
futebol; o imigrante com sua tenacidade; o índio com sua valentia. 
Negando o preconceito, guarda-se o fantasma no armário ao invés de 
lutar contra ele."

"Esmagado duplamente, de um lado pelo herói, de outro pelo 'processo' 
do qual era vítima passiva, o homem começa ser descoberto como agente 
real da história, como aquele que atua para que ela possa ocorrer."

"Fazer história pode começar pelo que seria a inversão de um 
quebra-cabeças: o acontecimento pronto e acabado, que sempre compõe 
uma imagem que ambiciona abranger a totalidade, deve ser decomposto 
para denunciar aos espectadores o arbítrio de sua construção, como se 
alguém mostrasse à plateia os fios invisíveis que sustentam os 
truques do ilusionista - tão sobrenatural quanto qualquer um de nós."

"A tarefa da escola pública torna-se mais complexa ao se ver obrigada 
a introduzir, para alunos provenientes de diferentes setores sociais, 
formas de socialização comuns a todos."

"Repensar na história como disciplina escolar requer dos professores 
um momento de reflexão que envolve considerações que vão além dos 
conteúdos, metodologias de ensino e recursos didáticos. Trata-se de 
refletir sobre o sentido político e social da disciplina histórica."

"A heroização do povo pode ser consoladora, mas não ajuda a 
compreender a realidade e, portanto, a transformá-la num sentido 
favorável às classes populares. Ao contrário, pode ser tão 
mitificadora quanto a história tradicional, que enaltecia os 'grandes 
homens' das camadas dirigentes."


Jaime Pinsky Historiador, professor titular da Unicamp, é diretor da 
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