[forum-prof] Naomar:^perversões da autonomia

LuizEduardo2 luizeduardo2 at infolink.com.br
Sun Jan 11 11:50:56 BRST 2009


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11 de janeiro de 2009


TENDÊNCIAS/DEBATES



Universidade: perversões da autonomia

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Defendo o conceito de autonomia como ousadia histórica; nunca para 
manter a velha universidade elitista, alienada e anacrônica


A RIGOR , o termo autonomia significa capacidade de definir as 
próprias normas. Em uso corrente, inclui o sentido de autarquia ou 
capacidade de autogoverno.
Para avaliar objetivamente a questão da autonomia universitária, 
consideremos dois planos articulados: administrativo e acadêmico.
No plano administrativo, as universidades federais encontram-se 
travadas por aparato normativo que compromete tanto a missão 
acadêmica de formar com qualidade quanto o dever de buscar eficiência 
e economicidade como instituição pública.
Rápidos exemplos triviais. Para atividades de ensino e pesquisa, 
precisamos de bens de melhor qualidade e serviços mais criativos, 
pertinentes e competentes, quase nunca baratos.
Porém, segundo a lei de licitações, somos obrigados a contratar pelo 
menor preço.
Na UFBA (Universidade Federal da Bahia), seis meses de conta de água 
bastariam para substituir todo o obsoleto sistema hidráulico dos 
campi, reduzindo o consumo em até 40%.
Não obstante, é proibido mudar rubricas de custeio porque o Orçamento 
da União é prefixado.
Em qualquer caso, inútil economizar, porque todo o montante poupado 
tem de ser, ao final do exercício, recolhido ao Tesouro Nacional.
Diligentemente, órgãos de controle externo nos têm auditado. O TCU 
(Tribunal de Contas da União), aplicando a lei, tem punido dirigentes 
universitários por irregularidades supostas em procedimentos que, o 
mais das vezes, visam a viabilizar a gestão universitária.
No plano acadêmico, a universidade se engana, e aparentemente gosta, 
ao pretender-se autônoma. De fato, longe estamos da mítica autonomia 
universitária.
Submetidos à crescente judicialização da sociedade, concursos 
docentes, processos seletivos, transferências e matrículas obedecem a 
leis e regras mais cartoriais que acadêmicas.
Projetos pedagógicos seguem, na minúcia, diretrizes curriculares 
estabelecidas por órgãos externos de regulação, influenciados por 
interesses corporativos e mercadológicos.
Linhas de pesquisa contemplam prioridades definidas por agências de 
fomento; programas de extensão respondem a demandas ou determinações 
de organismos governamentais, não-governamentais e empresariais.
A autonomia universitária nos é garantida pelo artigo 207 da 
Constituição Federal. Então, por que não recebemos orçamento global, 
definido por metas e planos?
Por que nosso quadro docente e de servidores obedece a regras do 
serviço público, quiçá adequadas a repartições burocráticas, porém 
flagrantemente contraditórias com o mandato da inovação acadêmica?
Por que nossos conselhos de gestão não têm autonomia para gerir 
patrimônio, custeio e receita?
Por que nossos conselhos acadêmicos têm que seguir diretrizes e 
regulamentos de corporações e conselhos?
Por que nossos conselhos curadores, reforçados com representação da 
sociedade, não poderiam fiscalizar operação, orçamentos e prestações de contas?
Por que povo e governo não nos cobram transparência, competência, 
desempenho e qualidade em vez de mera capacidade de seguir regras de 
controle e normas burocráticas?
O conceito de autonomia da universidade articula meios e fins. Como 
sua missão é socialmente referenciada, penso que a autonomia dos fins 
deve ser relativa, com participação e controle social na definição de 
metas e finalidades. Porém, para cumprir de modo competente seu 
mandato histórico, a universidade precisa gerir processos 
institucionais com autonomia plena dos meios.
A universidade brasileira perverte o conceito de autonomia. Onde 
precisa, não exerce autonomia, pois, em seu cotidiano, a gestão dos 
meios segue pautas extrainstitucionais e obedece a marcos heterônomos.
Entretanto, docentes e dirigentes reivindicam autonomia dos fins. Tal 
posição tem justificado, por exemplo, rechaçar políticas de ações 
afirmativas e inclusão social, o que pouco contribui para tornar mais 
justa a sociedade que abriga, sustenta e legitima a universidade.
Na atual conjuntura nacional, rica em oportunidades e desafios, pode 
a defesa da autonomia justificar conservadorismo social, imobilismo 
institucional e ranço acadêmico? Penso que não.
Immanuel Kant, propondo destradicionalizar a universidade mediante 
experimentação de novas formas de pensar e agir, propôs a audácia 
como consigna da autonomia universitária.
Seguindo o grande filósofo, defendo o conceito de autonomia somente 
como ousadia histórica, jamais para manter a velha universidade 
elitista, alienada e anacrônica, sempre para transformar e reinventar a vida.

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO, 56, doutor em epidemiologia, pesquisador do 
CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da 
UFBA (Universidade Federal da Bahia).
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