Fw: Re: [forum-prof] Colegas Cientistas e suas Maquinas Publicadoras
Luis Paulo Vieira Braga
lpbraga at im.ufrj.br
Sun Jan 7 23:41:42 BRST 2007
Meus Colegas Publicadores e Cientistas Maquinas,
O enquadramento definitivo da política científica brasileira ao sistema ocidental se deu precisamente no governo FHC. O colapso do projeto estatista nacionalista com as privatizaçoes não poderia deixar de ser acompanhado pelas respectivas adaptações na vida científica e cultural do país. O célebre documento de refundação da CAPES pelo prof. Baeta não deixa dúvidas - O sistema de pós-graduação não se destina mais a formar professores, mas pesquisadores. A pesquisa não deve ser mais voltada para a produção de tecnologia nacional, mas vincular-se aos temas internacionais de pesquisa. A fechadura é dupla, na primeira volta desqualifica a docência, na segunda volta tranca sua mente. O estrato formado pelos dirigentes das estatais, seus empregados, técnicos e pessoal de nível superior foi sendo aos poucos diluído. Das estatais que sobraram, como a PETROBRAS, procede-se sua refundação, transformando-as em multinacionais. Daqueles que viveram a febre da tecnolgia nacional, uns fora
m cooptados, outros ainda subsistem em nichos, nas IFES, nas Forças Armadas, no setor público. As novas gerações de docentes (ainda uso o termo) não viveram nada disto e, obviamente, almejam o sucesso em suas carreiras, o que só é possível se girarem a chave duas vezes. A falsa polêmica sobre a obsolescência do ANDES passa por aí também. Só faz sentido um sindicato nacional enquanto se falar de um modelo unitario de IFE, como é atualmente. Porém, se vingar o modelo de organização social, que estava embutido na reforma universitária (da Fundação Orion) , e que não foi adiante, aí a proposta de sindicatos independentes vai se tornar inevitável. Ocorre que a bandeira pelo desmonte do ANDES passou a ser um objetivo na estratégia da implantação da reforma universitária, e não uma consequência dela.
As mudanças sociais e econômicas se fazem devido aos interesses e à força dos envolvidos. As dificuldades na implantação da reforma universitária limitaram o seu alcance ao apoio aos empresários de ensino e à oferta de vagas (de discutível qualidade) para a margem das famílias cujos filhos não conseguiam entrar e se manter em um curso superior. No sistema produtivo pré-globalização, a criação da pós-graduação e do incentivo à pesquisa visava a formação de quadros para atuar nas indústrias nacionais. No quadro atual de reprimarização da economia nacional, de assimilação e imbricamento do sistema produtivo nacional às corporações internacionais, a demanda colocada pela sociedade para as universidades é por pessoal apenas qualificado para operar e adaptar sistemas que são concebidos em escala mundial. Para as mentes mais exigentes e inquietas a alternativa seriam os grandes centros internacionais de pesquisa e seus satélites(formais ou informais) implantados na periferia.
A adesão ou a rejeição a um projeto nem sempre é um ato de vontade, muitas vezes é luta pela sobrevivência. Outros aderem de corpo e alma, e há os que resistem, por anacronismo, ou até por convicção de que a nova ordem não será tão benéfica assim. Já se foram oito anos de governo FHC, e quatro anos de governo LULA. Os porcentuais do orçamento destinados ao MEC se mantem os mesmos, aqueles destinados ao MCT, apesar do crescimento, são irrisórios. A ciência brasileira, a despeito de sucessos aqui e acolá, patina atrás de países asiáticos como Coréia, China e até Índia (que há vinte anos estavam atrás do Brasil). O número de patentes registradas é ridículo, o pagamento de royalties por licenças cresceu exponencialmente e se tornou tão importante quanto a remessa de lucros. E, apesar do Bolsa Escola, depois tornado Bolsa Família, apesar de todas as ONG´s, de todos os planos financeiros continuamos com quase 50% de pobres, com problemas serios na área da segurança, do crescimento
e devendo mais de um trilhão de reais... Portanto, parece que jogamos a água, a criança e a bacia fora.
Há sociedades que nunca despertam, têm uma existência medíocre, ou subordinada, até que desaparecerem na história. O futuro do Brasil não está marcado por nenhuma profecia que lhe assegure um destino auspicioso. Pelo contrário, as oportunidades perdidas foram tantas que pode-se temer pelo inverso. Suas duas grandes forças no século passado - a burguesia nacional e o proletariado, deixaram-se, respectivamente, cooptar por um projeto exógeno, e por uma burocracia sindical conformista. O Brasil do século XXI, por outro lado, é muito mais entrópico, fragmentado, e anárquico. A situação da universidade é um reflexo disto, nem se sabe direito a qual senhor estamos servindo e porquê. Nos próximos anos a necessária reordenação dos projetos político-partidários poderá trazer um direcionamento alternativo às opções existentes, ou não...
On Sat, 06 Jan 2007 17:06:47 -0300, Prof. Luiz Eduardo wrote
> Meus Colegas Cientistas e suas Maquinas Publicadoras
>
> Em 1974, a UNICAMP contratava recem-graduados, sem concurso, e de imediato já os enviava para fazer mestrado e doutorado em Davies, na Califórnia.
>
> Em 1975, recem-graduado na engenharia de alimentos da UNICAMP, fui o primeiro colocado na seleção do Mestrado.
>
> Isso não tem mérito nenhum.
>
> Eu sabia muito bem que tipo de decoreba aqueles "cientistas" iriam perguntar na prova escrita.
> Com certeza iriam mandar colocar no papel o Ciclo de Krebs, ou da Pentose-Fosfato, e seus compostos intermediários, todos, pela ordem.
> Ok, eles não pediram isso.
> Mas pediram todas as enzimas envolvidas no processo (pela ordem).
> Eu tinha decorado tudo isso e muito mais.
> Sei muito bem respeitar as regras do jogo.
> Enquanto estiver jogando.
> Enquanto estiver em idade de jogar.
> Até me tornar um adulto professor.
> Agora... sinto muito, mas agora o jogo acabou.
> Eu tenho apenas esta vida.
> Não posso jogá-la no lixo, submetê-la às ordens dos mortos-vivos.
>
> Eu vejo o que meus colegas-cientistas publicam.
> Aquilo não pode ser jogado no lixo.
> Aquilo é pior que lixo hospitalar.
> Aquilo é pior que pilhas e baterias usadas.
> Aquilo não pode ser despejado em qualquer lata de lixo.
> Falemos sério.
>
> Minha tese de mestrado era pra ser no que se publicava na época: mistura de farinhas para recombinar os aminoácidos essenciais, otimizando o valor biológico, compensando a falta de lisina do milho e a carencia de metionina da soja, fazendo uma farinha mista pros pobres comerem.
> A universidade, como vemos, já defendeu porcarias mais sofisticadas que o Bolsa-Família.
>
> Fiz muitos experimentos.
> E mesmo publiquei muitas dessas porcarias, enquanto humilde e subalterno APRENDIZ.
> Desidratei polpa de goiaba, em secadores de tambor aquecido, tudo misturado com muita soja.
> Botei rato pra comer.
> Pesei rato, medi rato, humilhei ratos e poderia ser hoje um campeão de alpinismo lattesiano.
>
> Na boiada já fui boi, mas um dia me montei.
> Não vou ficar fazendo isso que leio nas revistas: contando, com barômetros ou não, quantos coliformes fecais, ou quantas microgramas de mercúrio existem nos mariscos pescados em Saquarema.
> Não vou ficar colecionando publicações desse tipo.
> Isso não é ciencia.
> Isso é vulgar burocracia de laboratório.
> Isso pode ser feito por qualquer alunos de nível médio.
> Isso é trabalho de rotina nos miseráveis laboratórios oficiais de saúde pública.
> Isso não é ciencia.
> Nada disso é ciencia.
>
> Mas é isso que eu vejo meus colegas cientistas publicando inutilmente, banalmente, burocraticamente, mariavaicomasoutrasmente.
>
> Das farinhas mistas, dos produtos de soja salvadores da fome e da miséria, passando pela contagem de contaminantes e micróbios, agora entraram nessa charlatanice de alimentos funcionais.
>
> Um desqualificado e imoral cientista da Unicamp aparece no Jornal Nacional, da TV Globo, anunciando a Tabela de Composição de Alimentos Brasileiros, a grande contribuição unicampiana para a nutrição brasileira. E dá o exemplo da feijoada. Diz que a tabela da USDA não informa quanto tem de proteína no sarapatel, no cururu, no vatapá, no pão de queijo, no calango, no angu do Gomes e na feijoada.
>
> Se eu fosse dono da UNICAMP eu botava o cara na rua no dia seguinte, por justa causa, porque um imbecil desses só pode prejudicar a imagem da instituição junto ao público.
>
> Falemos sério: cada feijoada tem uma composição diferente.
> Aliás, cada concha, da mesma feijoada, tem um percentual proteico totalmente diferente, porque um pega carne seca, outro pega muito caldo, outro opta pela orelhinha do porco...
> como é que um publicador daqueles me publica uma porcaria dessas em público ?
>
> Mas tudo isso não é exclusivo das ciências de alimentos.
> Na Nutrição a gente assiste a mesma coisa, com esse negócio de pesar e medir gente, de tirar sangue de crianças famintas, em filas de hospitais públicos, pra saber se no sangue tem vitamina A e ferro suficientes... pra nem falar nas teses e publicações sugerindo que os pobres comam bifes de casca de abacaxi e sopa de casca de ovo... enquanto o cientista come o abacaxi e o ovo.
>
> Foi desse ambiente aí que eu vim.
> Foi nesse ambiente científico aí que me formei.
> Estava deixando pra publicar sobre isso mais pra frente, quando estivesse menos ocupado com a agenda de professor.
>
> Parece, porém, que vou ter que escrever sobre isso logo-logo.
>
> Não vai ser bom pra universidade.
> Não vai ser bom pra ciencia.
> Não vai ser bom pra nenhum de nós.
>
> A gente podia deixar esse pessoal em paz, publicando essas bobagens, se eles ficassem na deles.
> Até aí... ainda dava pra tolerar.
>
> Mas quando eles estão tentando e conseguindo impor hegemonicamente essa vertente obscena da ciência, sinto muito, vamos ter que iluminar e discutir os fatos.
>
> L.E.
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