[forum-prof] Estadão - O difícil de entender é como o material didático de combate à discriminação se viu reduzido à propaganda de opções sexuais.
lilia at astro.ufrj.br
lilia at astro.ufrj.br
Sun May 29 13:34:03 BRT 2011
Jornal O Estado de S. Paulo – Caderno Aliás - Domingo, 29 de maio de 2011, J3
CONTEÚDO INADEQUADO
“A presidente Dilma Roussef manda suspender o kit anti-homofobia do
MEC para distribuição nas escolas, que qualificou como inadequado. A
ordem foi dada após parlamentares evangélicos ameaçarem endossar uma
CPI para investigar o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci”.
Kit-Polêmica
Debora Diniz
Professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis –
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
A história ainda é nebulosa. Parece um daqueles eventos políticos em
que os fatos são piores que os rumores. O teatro público foi o
seguinte: o Ministério da Educação anunciou a distribuição de material
didático de combate à homofobia nas escolas de ensino médio; um grupo
de parlamentares evangélicos reagiu ao que foi descrito como kit gay e
pressionou o governo contra a iniciativa; a presidente anunciou o veto
ao material didático do MEC. As breves palavras da presidente sobre o
ocorrido se resumiram a “não vai ser permitido a nenhum órgão do
governo fazer propaganda de opções sexuais”. Não arrisco dizer que
essa foi a primeira grande polêmica do governo Dilma, mas pressinto
uma atualização da patrulha moralista que a perseguiu durante a
campanha presidencial. O primeiro capítulo desse teatro parece ser o
único a sobreviver como relato oficial da história. O MEC produziu um
material didático para a sensibilização e o combate à homofobia nas
escolas de ensino médio. O diagnóstico do MEC é simples: a homofobia
mata, persegue e violenta aqueles que estão fora da norma
heterossexista de classificação das sexualidades. Um adolescente gay
tem medo de ir à escola e ser discriminado. Há histórias de abandono
escolar e de suicídio. Uma das personagens do vídeo original do MEC se
chama Bianca, uma travesti que sai do armário ainda no período
escolar. Seu primeiro ato de rebeldia foi pintar as unhas de vermelho
e ir à escola. A ousadia rendeu-lhe um ano de silêncio familiar.
Ainda não entendo a controvérsia em torno desse material. O
puritanismo que crê ser possível falar de sexo e sexualidades sem
exibir práticas e performances foi respeitado pelo material do MEC.
Bianca é uma voz desencarnada em um vídeo sem movimento. Não vemos
Bianca em ação, conhecemos apenas o seu rosto. Só sabemos que Bianca
existe, quer ir à escola e sonha em ser professora. Ela insiste que
para ser professora precisa ir à escola. Mas ela depende da
autorização dos homens homofóbicos de sua sala de aula, que ameaçam
agredi-la. Bianca agradece às suas professoras e colegas que a
reconhecem como uma estudante igual às outras. Sozinha, a escola pode
ser um espaço aterrorizante.
O segundo capítulo da história é mais difícil de acreditar. Grupos
evangélicos teriam substituído a história de Bianca por um vídeo
vulgar, uma fraude grotesca cometida por quem não suporta a igualdade
sexual. Em audiência com a presidente, teriam entregado o vídeo e, ao
que se conta, aproveitado a ocasião para conversar sobre a crise
política que ronda o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Entre as
peripécias de Palocci, as travestis em ato sexual e o fantasma da
homossexualidade, a reação da presidente foi suspender o material
didático do MEC. O surpreendente não está no uso de mentiras para a
criação de fatos políticos, mas na proeza de os grupos evangélicos
terem conseguido convencer a presidente de que sua equipe de governo
do MEC seria tão medíocre na seleção de material didático para as
escolas públicas.
Se a presidente assistiu aos vídeos reais ou aos fraudulentos, não
importa. O fato é que foi anunciado o veto ao material didático do MEC
– uma vitória para os conservadores, que não sossegam desde que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a igualdade sexual em matéria de
família. Mas há uma injustiça covarde nessa decisão. O tema do
material era a homofobia, algo diferente de propaganda de opções
sexuais. Na verdade, jamais assisti a um vídeo de propaganda de algo
tão íntimo e da esfera da privacidade quanto a opção ou o desejo
sexual consentido. Homofobia é um crime contra a igualdade, viola o
direito ao igual reconhecimento, impede o pleno desenvolvimento de um
adolescente. Homofobia é o que faz Bianca ter medo de ir à escola.
O verdadeiro material do MEC tem um objetivo claro: sensibilizar
professoras e estudantes para a mudança de mentalidades. Uma sociedade
igualitária não discrimina os fora da norma heterossexista e reconhece
Bianca como uma adolescente com direitos iguais aos de suas colegas.
Mas, diferentemente do fantasma conservador, a mudança de mentalidades
não prevê uma subversão da ordem sexual – os adolescentes não serão
seduzidos por propagandas sexuais a abandonarem a heterossexualidade.
A verdade é que o material do MEC não revoluciona a soberania da moral
heterossexista, mas contesta a falsa presunção de que a homofobia é um
direito de livre expressão. Homofobia é um crime contra a igualdade
sexual.
==================
More information about the Forum-Prof
mailing list