[forum-prof] ESQUECER a UFRJ (para salvar a UFRJ)

LuizEduardo luizeduardo.email at yahoo.com.br
Tue May 17 15:56:31 BRT 2011



17 de maio de 2011
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RUBEM ALVES

Esquecer para saber



Quem lhe ensinara isso, essa estranha pedagogia da desaprendizagem? 
Não podia ter sido Barthes...


A MENINA me disse que eu teria de esquecer o que sabia para poder ver 
aquilo que eu não via... Que menina? Aquela sobre quem escrevi. 
Caminhávamos juntos, ela me mostrava e me explicava a sua escola, na 
Vila das Aves, em Portugal. Eu teria de esquecer para poder ver... 
Quem lhe ensinara isso, essa estranha pedagogia da desaprendizagem? 
Não podia ter sido Roland Barthes...

Barthes, ao sentir a velhice chegando, disse esta coisa 
surpreendente: que chegara a sua hora suprema, a hora do 
esquecimento, tempo de desaprender os saberes que havia aprendido. 
Posso imaginar o espanto que essa declaração deve ter provocado no 
erudito público acadêmico presente a sua aula.

Esquecer, desaprender: são o oposto daquilo que as escolas e 
professores pedem aos alunos. Os professores perguntam e os alunos, 
se tiverem memória boa, respondem e tiram boas notas... Esquecer é o 
contrário: perder, abrir mão, deixar ir. E, na lógica banal da razão 
do cotidiano, esquecimento é sempre empobrecimento. Barthes aponta na 
direção oposta. Teria ficado senil?
Quem responde é o poeta T. S. Eliot, num curtíssimo-cortante 
aforismo: "Num país de fugitivos, aquele que anda na direção 
contrária parece estar fugindo".

Barthes caminha na direção contrária. Ele nos conduz a um outro 
mundo. Suspeito que ele tenha aprendido do Taoismo. Pois é isso que 
está lá dito, no poema de número 48 do "Tao-Te-Ching": "Na busca do 
conhecimento a cada dia se soma algo. Na busca do Caminho da Vida a 
cada dia se diminui algo".

Esquecer é diminuir; desaprender é diminuir. Barthes não está sozinho 
em sua caminhada na direção contrária. Lichtenberg tinha uma ideia 
parecida: "Atualmente procura-se divulgar a sabedoria por toda a 
parte: quem sabe se daqui a poucos séculos não haverá universidades 
destinadas a restabelecer a antiga ignorância?".

Alberto Caeiro é de opinião semelhante. "O essencial é saber ver - 
Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um 
estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender..." "Procuro 
despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que 
me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, 
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu..."

Barthes se referiu ao esquecimento como "a força da força viva". Por 
quê? Ele mesmo responde, mostrando que o esquecimento é um processo 
pelo qual o corpo "raspa" de sua pele as sedimentações operadas pelo 
passado, mortas, da mesma forma como o navegador raspa a craca 
marisca que grudou no casco do seu barco. Raspada a craca, o barco rejuvenesce.

Encantam-me os eucaliptos velhos, suas cascas duras, rugosas, 
grossas, escuras, rachadas. Repentinamente elas se soltam: debaixo 
delas surge um eucalipto rejuvenescido, casca verde-creme, lisa, 
sobre ela a mão desliza com prazer. Nós, humanos, para renascer, 
temos de esquecer -abandonar a casca velha para que a nova apareça. 
As cascas vazias das cigarras presas aos troncos das árvores são um 
passado subterrâneo que teve de ser abandonado para que o ser voante 
nascesse. Esse é o caminho da educação...

Mas a menina me fez pensar outros pensamentos que eu nunca tinha 
pensado. Eu os guardo para depois...







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