Re: [forum-prof] Professores repudiam ataque contra Universidade de Gaza
marccosta
marccosta at terra.com.br
Tue Jan 6 22:00:29 BRST 2009
Uma contribuição ao debate, pinçada no blog do Simon Schwartzman, com a qual simpatizo muito, sobretudo por evitar os posicionamentos simplórios.
Abs,
Marcio da Costa
Bernardo Sorj: Oriente Médio: o caminho da paz não passa pelo maniqueísmo
Posted: 04 Jan 2009 04:35 PM CST
A invasão de Gaza pelas tropas de Israel é mais um capítulo de uma tragédia de radicalizações e equívocos diante da qual é muito fácil tomar posições movidas pela emoção ou pelo oportunismo, e muito difícil buscar caminhos que possam levar a uma paz duradoura. O que penso a respeito está muito bem expresso no artigo abaixo, de Bernardo Sorj.
Compreender sem simplificar
O conflito no Oriente Médio é complexo. Aqueles que procuram transformá-lo num filme de Hollywood no qual o mocinho e o bandido são claramente identificáveis e em que um lado representa o bem e o outro lado o mal estão fazendo um desserviço à verdade e à causa da paz.
Como em geral acontece com os dramas históricos, o conflito no Oriente Médio é a conseqüência não-intencional de projetos humanos em que cada ator social procura realizar seus próprios objetivos, que terminam colidindo com os de outro ator. Tendo como base o drama de dois povos reivindicando a mesma terra, as lideranças políticas de ambos lados acumularam erros que alimentaram a desconfiança e o extremismo no interior de cada povo, dificultando ainda mais o caminho da paz.
Que erros foram esses? Sem entrar em detalhes históricos que fugiriam aos limites deste curto artigo, podemos indicar, nas últimas décadas, do lado dos governos israelenses, a ocupação militar e a expansão constante das colônias na Cisjordânia e, do lado das lideranças palestinas, a conivência com o terrorismo e a ambigüidade em relação à plena aceitação da existência do Estado de Israel.
Criticar sem ofender nem mentir
O caminho da paz exige a comunicação e o reconhecimento da humanidade de todos. Quem quer a guerra vê o demônio no outro. Desumanizar o adversário, em algum momento, justifica a sua destruição. Durante os cinco anos morei em Israel e lutei com meus colegas árabes pela paz e contra a política israelense de colonizar os territórios conquistados na guerra de 1967. Na época, enfrentei com meus colegas os políticos israelenses que procuravam assimilar Arafat a Hitler e o movimento palestino, ao nazismo. Hoje sofro quando vejo grupos pró-palestinos fazerem o mesmo em relação ao sionismo. Dizer que o sionismo equivale ao nazismo é uma mentira deslavada, uma agressão moral. E, como tal, produz do lado israelense e judeu uma reação defensiva que alimenta o sentimento de incompreensão e a incomunicação. Sejamos claros: Hitler exterminou sistematicamente todos os judeus que se encontravam nos territórios ocupados pela Alemanha nazista. Acontece que, no Estado de Israel, em l949, viviam 120.000 árabes. Hoje, hoje eles são mais de um milhão. Calcula-se em torno de 500.000 os refugiados árabes da guerra de 1948. Eles e seus descendentes somam de 4 a 5 milhões. Não houve, em nenhum sentido possível do conceito, um genocídio. Não se trata de negar o sofrimento pelo qual passou e passa o povo palestino. Mas não desvalorizemos os fatos históricos, respeitando os sentimentos daqueles que passaram pela experiência do holocausto. E lembremos, sobretudo, que as palavras não são ingênuas. Quem fala de genocídio transforma o outro em genocida, o que permite que seja tratado como tal.
Direitos humanos ou instrumentalização política?
Entendo a simpatia e solidariedade com a causa palestina, seja do mundo árabe, de descendentes de árabes e muçulmanos e de pessoas de boa vontade identificada com o sofrimento palestino. Este sentimento é compreensível, assim como é a preocupação de judeus e não-judeus com a segurança de Israel. Mas em nenhum dos dois casos é aceitável o apoio acrítico a lideranças radicais, seja israelenses que não se dispõem á devolver os territórios conquistados, seja palestinas que sustentam um programa político que propõe a destruição do Estado de Israel. Preocupa-me e dói a manipulação política do conflito por intelectuais e organizações que, no Brasil e no exterior, assumem uma posição antiisraelense primária, em geral ignorante da história da região que, por momentos, beira o anti-semitismo e cuja única motivação é uma ideologia política que associa Israel aos Estados Unidos. Para tais grupos, os Estados Unidos são o grande inimigo. Ergo, quem está associado com o diabo, diabo é. Preocupa e dói porque esses indivíduos e grupos manipulam a bandeira dos direitos humanos, porém não têm nenhum compromisso real com o sofrimento humano. Porque, se tal sentimento existisse, estariam também fazendo panfletos e circulando com as bandeiras do povo checheno, curdo, sudanês ou tibetano, que custaram e continuam cobrar a vida de milhões de pessoas. Mas a agenda destes grupos não é a dos direitos humanos nem a da paz do Oriente Médio. É uma agenda política que quer ver o circo pegar fogo para confirmar os preconceitos ideológicos. É, portanto, uma agenda perigosa, irresponsável e desumana.
O povo palestino e o mundo árabe, Israel e o povo judeu não são homogêneos
No ardor da luta contra o ataque militar israelense, parte da mídia e de grupos pró-palestinos e pró-Israel transmite a imagem de que a causa palestina e o mundo árabe e muçulmano, assim como Israel e o povo judeu, constituem uma unidade. Transformam um conflito político nacional no qual estão em jogo interesses e estratégias terrenas em um conflito religioso. Nada mais longe da realidade. O mundo árabe está - e sempre esteve - dividido. Para cada governo árabe, a causa palestina ocupa um lugar específico no seu projeto político interno e externo. Afinal, não podemos esquecer que o território reivindicado pelo povo palestino para a criação de seu Estado nacional esteve, entre 1948 e 1967, nas mãos da Jordânia e do Egito, não de Israel. No lado israelense, a divisão política interna sempre foi explícita e, embora as relações entre boa parte da diáspora judaica e Israel sejam de solidariedade, isso não significa nenhum alinhamento ou co-responsabilidade com os governos eleitos pelos cidadãos de Israel (inclusive pelos 20% de árabes israelenses).
Lembrar que não vivemos em mundos culturais formados por blocos coesos é fundamental. O fanatismo e o extremismo de cada lado se alimentam mutuamente. Falemos claro: nem o extremismo palestino nem o israelense têm interesse em negociações políticas, pois nenhum deles está disposto a abrir mão de seus sonhos maximalistas. O caso do assassinato de Rabin é exemplar: morto por um extremista israelense, sua obra de pacificação não pôde ser completada por Shimon Peres, pois, apesar de sua enorme vantagem inicial na campanha eleitoral, a onda de atentados terroristas palestinos levou ao poder um primeiro- ministro da extrema direita.
O que será?
Nenhum povo tem o monopólio da moral nem está ao abrigo de entrar num ciclo de destruição. Quem quiser procurar na história fatos favoráveis à versão de cada lado os encontrará em quantidades monumentais. O caminho da paz exige um doloroso esforço de abandono dos mitos e ilusões que cada parte elaborou sobre si mesmo e o outro. O passado não pode ser esquecido, todavia será em torno de uma visão do futuro que um novo presente poderá ser construído.
Penso que nós, que não participamos diretamente da vida política dos países da região devemos lutar pelo essencial: apoiar a abertura de todos os canais de comunicação, de toda iniciativa de paz. Nós, que temos a sorte de viver no Brasil, um país que, apesar dos imensos problemas sociais, é um exemplo para o mundo de convivência prazerosa entre as diversas religiões, devemo-nos esforçar por alimentar o diálogo, a esperança e a abertura de espírito, não permitindo que a intolerância e o ódio nos contaminem.
----------------
Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da UFRJ e Diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sócias
De:forum-prof-bounces at if.ufrj.br
Para:FORUM-prof at listas.if.ufrj.br
Cópia:
Data:Tue, 06 Jan 2009 19:15:10 -0200
Assunto:Re: [forum-prof] Professores repudiam ataque contra Universidade de Gaza
> Ribas, Lilia e demais colegas, assinei, embora
> duvide da eficiência de abaixo-assinados.
>
> Contrariamente à aparência no entanto a maior
> vítima desse ataque não é o povo palestino (este
> é um conflito longo mas de baixa intensidade, o
> dos tamis no Ceilão a guerra interminável do
> Congo são muito piores, até a nossa guerra civil
> nas cidades brasileiras mata mais) e sim a
> continuada destruição da ordem internacional
> causada pelo permanente veto dos Estados Unidos
> no Conselho de Segurança da ONU a qualquer
> resolução que obrigue Israel a qualquer coisa.
> Israel tem carta branca para manter sua limpeza
> étnica de 600 mil palestinos desde 1947, para
> ocupar militarmente a Palestina desde 1967, para
> ocupar um pedaço da Síria, para se recusar a
> permitir um estado palestino laico (criado pela
> ONU em 1947 junto com o estado israelense), para
> ameaçar bombardear o Iran, para fazer banhos de
> sangue no Líbano e em Gaza, matando ora 1000, ora 3000, ora 500 e tudo bem.
>
> A minha crítica principal não é contra Israel, um
> estado pode querer agir contra a lei, como uma
> pessoa pode, é contra a destruição da polícia
> internacional, que é a ONU, feita pelos Estados
> Unidos nesses 60 anos. Mas não são só eles, os
> outros 4 países com poder de veto todos fizeram
> coisas muito piores do que o que Israel faz,
> assim sendo acham normal ocupar países e fazer matanças de populações civis.
>
> A Rússia acabou de fazer isso na Chechênia,
> quando matou 100 000 pessoas, e com a invasão da
> Geórgia, sem falar na história de horrores do passado soviético.
>
> Os EUA fizeram isso, nas últimas quatro décadas,
> no Vietnã (3 milhões de mortos), na Sérvia e no
> Iraque, sem falar no massacre coletivo das
> populações civis de Hiroshima e de Nagasaki, 200
> 000 pessoas, um evidente ato terrorista. Os
> bombardeios maciços na Alemanha, no Japão e no
> Vietnã também foram crimes de guerra, de fazer o
> bombardeio nazista em Guernica parecer brincadeira.
>
> A França fez uma guerra cruel contra os
> argelinos, onde morreram 1 milhão de pessoas, e
> contra os indochineses, dois povos que tinham
> sofrido a perda de suas terras para imigrantes coloniais franceses.
>
> O Reino Unido fez também guerras sujas, entre
> 1920 e 1960, na Irlanda, na Grécia, na Malásia,
> no Quênia, e a última terminou recentemente na
> Irlanda do Norte. Particularmente sujas foram as
> da Irlanda e do Quênia, pois envolviam a remoção
> de imigrantes colonizadores britânicos. Além
> disso participaram dos bombardeios maciços na
> Alemanha junto com os americanos, onde meio milhão de civis morreu.
>
> A China faz genocídio cultural - com
> transferências de dezenas de milhões de chineses
> para as regiões ocupadas do Tibete, da Mongólia e
> do Sinkiang, que antes eram parte do mesmo
> Império Manchu que ela, China. No momento faz uma
> política de repressão pesada no Tibete, contra
> aquele evidente terrorista Dalai Lama, e contra
> os muçulmanos no Sinkiang. Além disso quer anexar
> outra parte desse antigo império, que também
> nunca antes fora chinesa, Taiwan, e ainda ocupa
> um pedaço da antiga província indiana da Cashemira.
>
> São esses 5 países - todos ex-potências
> coloniais, só três tendo regimes democráticos -
> os membros permanentes da ONU, os que vão dizer o
> que viola ou não viola a Lei Internacional, o que
> viola ou não viola os Direitos Humanos. Não
> espanta que não funcione, exceto em casos onde
> nenhum desses 5 esteja diretamente interessado,
> como o Zimbabwe. É essencial a reforma da ONU mas
> não espanta que nenhum desses países queira
> perder o poder de veto e a garantia de que não
> será constrangido caso cometa crimes.
>
> A meu ver essa crise tem o mesmo papel que a
> invasão da Etiópia pela Itália fascista nos anos
> 30, invasão esta que acabou com a Liga das
> Nações. Essa crise de Israel/Palestina (como as
> da Chechênia, do Tibete, do Iraque, do Kossovo,
> da Argélia, da Irlanda do Norte, do Vietnã, da
> Geórgia, etc, etc) torna mais e mais a ONU numa
> nova Liga das Nações ridícula. O processo é mais
> lento, mas o resultado é o mesmo, a "autoridade
> física e moral da comunidade internacional" vira galhofa.
>
> Precisa haver no mínimo mais quinze países no
> Conselho de Segurança (acabando a farsa dos
> membros não permanente que nada podem) e eliminar
> o poder de veto, passando a ter as decisões por
> maioria acima de uma percentagem a determinar. A
> minha lista: Brasil, Índia, Japão, Alemanha,
> Canadá, México, Espanha, Itália, Nigéria,
> Indonésia, Paquistão, África do Sul, Egito,
> Ucrânia, Suécia, Argentina. Seriam 2 países da
> América do Sul (hoje com 0), 2 da América do
> Norte (hoje com 1), 3 da África (hoje com 0), 4
> da Ásia (hoje com 1) e 4 da Europa (hoje com 3).
>
> Enfim, isso seria o meu sonho de nova ordem
> internacional, bom para um período de férias chuvosas...
>
> Abraços para todos
>
>
> _______________________________________________
> forum-prof mailing list
> forum-prof at listas.if.ufrj.br
> http://webmail.if.ufrj.br/mailman/listinfo/forum-prof
>
> E-mail verificado pelo Terra Anti-Spam.
> Para classificar esta mensagem como spam ou não spam, visite
> http://mail.terra.com.br/cgi-bin/reportspam.cgi?+_d=SCY0MjczODk0I3Blcm0hdGVycmEmMSwxMjMxMjc2NDAxLjIxODk0Ny4yODM4NC5iZXR1bmUudGVycmEuY29tLDc2MTE=
> Verifique periodicamente a pasta Spam para garantir que apenas mensagens
> indesejadas sejam classificadas como Spam.
>
> Esta mensagem foi verificada pelo E-mail Protegido Terra.
> Atualizado em 06/01/2009
-------------- next part --------------
An HTML attachment was scrubbed...
URL: <http://listas.if.ufrj.br/pipermail/forum-prof/attachments/20090106/d79698eb/attachment.html>
More information about the Forum-Prof
mailing list