[forum-prof] Gianotti (isto é o ponto central...)

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Mon Feb 2 09:17:22 BRST 2009


Oi Luiz

Guerras nunca são coisas bonitas mas a Humanidade gosta delas desde o seu
início: guerras dentro de uma tribo (as guerras civis), guerras de uma tribo
contra outras (guerras internacionais) e a guerra contínua contra a "Natureza
selvagem" (a guerra que estamos perdendo por termos ganho, a da destruição da
Terra). Troque-se tribo por qualquer outro nome que se desejar e temos o mundo
desde a Pré-história.

O que torna "interessante" o conflito no Oriente Médio (conflito de escala bem
pequena!) é primeiramente que ele não é uma guerra civil (pois os
israelenses não admitem a cidadania para os não-judeus, tirando a pequena
minoria árabe que não foi expulsa em 1947-1948) e não é uma guerra entre
estados (pois os israelenses não admitem um estado palestino nas regiões que
eles ocuparam militarmente em 1967). O argumento do nacionalismo palestino é
também evidentemente dividido e confuso, indo desde um estado unificado e
laico para os 10 milhões de habitantes da antiga Palestina até a existência
de dois estados, o judeu e o não-judeu.

A total confusão do lado israelense que nem consegue decidir que fronteiras
quer ter (as de 1949? as de 1967? alguma intermediária?) se reflete assim no
lado palestino, evidentemente o mais fraco. Assim sem ser uma "guerra" ou uma
"guerra civil" é o "conflito do estado de Israel com o povo palestino", um
povo apátrida por decisão de Israel.

Na expansão colonial européia esse tipo de conflito foi muito comum. Os povos
inferiores não tinham direito a ter estados e qualquer tratado assinado com os
assim chamados estados poderia ser rompido a qualquer hora. Era até frequente
um tratado ser escrito numa língua nativa e a sua tradução para inglês ou
francês ser totalmente diferente. Esse tipo de conflito seria resolvido no
passado anexando definitivamente essas regiões e expulsando todos os seus
habitantes (foi assim que a Polônia fez em 1946 na região que ocupou da
Alemanha, foi assim que os Estados Unidos fizeram com os nativos no século
XIX) mas hoje isso seria considerado um crime de guerra, nada aconteceria com
Israel mas não seria bonito.

Uma segunda razão de interesse assim é que ele se mistura com temas do passado
que as "potências ocidentais" gostariam de esquecer:
- Imperialismos: a destruição por elas do Império Otomano (que ia do Danúbio
e mar Negro ao Atlântico, Mar Vermelho e Golfo Pérsico, abrangendo três
continentes) e a transformação do mesmo numa miríade de colônias,
inventando/usando os nacionalismos (sérvio, búlgaro, grego, árabe, etc) para
fazer essa destruição;
- Colonialismo cotidiano: o tratamento dos povos das colônias como sub-humanos
(coisa que em particular os árabes, orgulhosos de sua civilização,
ressentem), indignos até de serem donos de casas e de fazendas (os ingleses
protestantes fizeram isso na Irlanda católica e igualmente os irlandeses não
gostaram de ser sub-homens);
- Anti-judaísmo e o espalhamento contagioso do Nacionalismo: o milenar
anti-judaismo europeu que somado à influência das ideologias nacionalistas do
século XIX e XX levou à proposta de um estado judeu excludente de não judeus
(Nada anormal nisso, o mesmo ocorreu em toda a Europa nesse milhar de anos,
estados com uma só língua e uma só religião, de Portugal à Rússia, as
minorias sendo massacradas, expulsas ou convertidas);
- A falência das Nações Unidas: a criação e a implementação absurdamente
incompetentes pelas Nações Unidas de um estado judeu, um estado não-judeu e
uma Jerusalém com status internacional em 1947, até agora incompletas;
- A Guerra Fria: a manipulação desta situação confusa pelos Estados Unidos e
pela União Soviética no contexto da Guerra Fria, onde os primeiros fizeram uma
aliança anti-árabe (Turquia, Israel, Irã e Paquistão, com as árabes
Jordânia e Arábia Saudita sendo participantes envergonhadas) e a segunda
tentou fazer uma aliança árabe;
- Os novos nacionalismos: o surgimento de nacionalismos árabes simétricos ao
israelense, como o palestino e o dos xiítas do Líbano; o reforço do
nacionalismo israelense "europeu" pelos "judeus orientais", na verdade árabes
de religião judaica expulsos de seus países, e que são eleitores
tradicionais da extrema direita; e agora o surgimento de movimentos
nacionalistas extremados manipulando a religião islâmica, como o Talibã e
al-Qaeda.

Como pano de fundo a Europa Ocidental quer esquecer seu profundo anti-judaísmo
e anti-islamismo que vem de mil anos... mas os Papas não deixam esquecer, como
a nomeação do bispo que nega o holocausto pelo atual papa e a sugestão do
antigo Papa João Paulo II para que a Constituição da União Européia
dissesse que a Europa é cristã (ou seja quem não é cristão está sobrando
e todos sabemos o que isso significou).

Abraços
Quoting Luiz Eduardo <luizeduardo at infolink.com.br>:

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>
>
> Israel se orgulha de possuir um excelente código de ética para suas 
> Forças Armadas, mas, como declarou o major Jacob Dalla (Folha, 
> suplemento "New York Times", 26/1), "as pessoas perdem de vista o 
> contexto de uma guerra numa área densamente povoada, onde, a cada vez 
> que uma porta é aberta, um soldado se pergunta quem pode estar atrás 
> dela".
>
> Mesmo usando a cabeça, creio eu, é natural atirar no outro indiferenciado.
>
> O irracional é entrar numa guerra desse tipo.
>
>  E, quando alguém denuncia o absurdo, posto que os dois lados vestem 
> o manto da religião, a denúncia é tachada de antissemitismo ou anti-islamismo.
>



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