[forum-prof] Da intectualidade: não tô falando sozinho ...
Prof. Luiz Eduardo
luizeduardo at pharma.ufrj.br
Tue Jan 16 02:35:04 BRST 2007
Abaixo, artigo publicado na Folha desta segunda-feira.
Tã tudo aí.
Basta substituir ESCRITORES por PUBLICADORES.
L.E.
15 de janeiro de 2007
[]
NELSON ASCHER
Intelectuais vs. literatura
Escritor é alguém cujas obras são ensinadas na universidade
e fazem parte do currículo
HÁ GENTE que não lê best-sellers porque não
passam de lixo consumível. Caso sejam pais ou
mestres, tampouco permitem a seus reféns que os
freqüentem. Para o bem destes, que são direta e
inutilmente encaminhados rumo a Camões e Machado ou Dante, Tolstói e Proust.
Mas, assim como nas economias tuteladas -por
exemplo, a que Fidel e sua máfia impuseram a Cuba
(é fácil tutelar uma economia tão pura que, nela,
nada se compra, vende ou se produz), a que está
sendo estabelecida na Venezuela (uma monocultura
petroleira onde o chefão, após privatizar para si
o subsolo e, com o saque, adquirir um eleitorado,
promete converter a sociedade inteira em
propriedade privada cujos proprietários serão ele
e seus cúmplices), ou aquela com a qual sonham,
em Brasília e alhures, nossos benfeitores e
candidatos a capatazes- bom, assim como nessas
economias, o que se confisca aos leitores
principiantes é seu direito de escolher, inclusive errado.
E, sem o risco de quebrar a cara, não existe
aprendizado. Quem não se cansou de Harold Robbins
não tem como saber por que Borges é bom. Pensando
bem, no entanto, a literatura "séria" que se faz
hoje em dia, as obras contemporâneas que já
chegam às livrarias com o selo da
respeitabilidade, é tão maçante que talvez seja
menos prejudicial à saúde das criancinhas
entregá-las à voracidade da diversão massificada
que, se não cheira, pelo menos não fede.
Como é que a "alta" literatura atual se reduziu à
tautologia enfadonha de chavões culturalmente
corretos? Por que raios há somente poemas
criticando o consumismo, a deposição do fascista
sanguinário que mandava no Iraque, ou chorando as
desgraças que os palestinos infligem a si mesmos?
Por que todos os contos, romances, peças de
teatro escritos durante as últimas décadas não
passam de acertos simbólicos de contas nos quais
os vilões são sempre reacionários, machistas,
racistas, ricos e egoístas, enquanto os mocinhos
(que não fazem jus ao termo "heróis") lutam,
altruístas, pela sociedade solidária, justa e sem desigualdades de renda?
Por uma razão simples (e que ocupará as próximas
colunas): toda a cultura alta e média de nossos
tempos se tornou monopólio da intelectualidade.
Durante milênios, ficcionistas, poetas,
escritores, bem como artistas de qualquer ramo,
podiam ser profissionais, amadores ou muito pelo
contrário, mas intelectuais eles não eram, pois
não existiam intelectuais. A categoria não havia
ainda aparecido. O intelectual e seu coletivo
(como "alcatéia" é de lobos, "corja" de
malfeitores e "vara" de porcos), a
intelectualidade, foram inventados na França,
pouco antes da Revolução de 1789 -esta, aliás, sua primeira obra-prima.
O que é que distingue um intelectual de um
romancista, um pintor, um dramaturgo, um
compositor, um filósofo ou dos gênios universais
(Leonardo, Michelangelo, Goethe) que faziam de
tudo e o faziam bem? Um intelectual, para
começar, deriva seu estatuto do fato de pertencer
ao grupo, ou seja, não é o conjunto de indivíduos
que forma a intelectualidade, mas, antes, é esta
que preexiste, pelo menos ideal e
conceitualmente, a seus membros, os quais
precisam buscar junto a ela o reconhecimento que importa.
Outrora, para sê-lo publicamente, um escritor
primeiro escrevia e era, em seguida, lido,
reconhecido enquanto tal, levado a sério pelos
leitores. Agora o público leitor leigo reduziu-se
a um extra ou brinde de consolação. Escritor de
verdade não é o produtor de narrativas, dramas ou
poemas que sejam consumidos com maior ou menor
interesse e prazer por pessoas comuns, algo,
afinal, irrelevante. Escritor é alguém cujas
obras são ensinadas na universidade e fazem parte do currículo.
Se foram os franceses que criaram o intelectual,
este átomo, tão indivisível quanto supérfluo, da
intelectualidade, quem o institucionalizou em
grande escala como ente ou entidade facilmente
reconhecível, pago, às vezes e apesar das eternas
lamúrias, melhor do que merece, foram, graças ao
tamanho de seu ensino superior e à rede de
centenas de universidades afluentes, os americanos.
Nenhuma outra nação teve ou tem tamanho excedente
de capital, pré-requisito para a manutenção dessa
classe relativamente nova e improdutiva de
parasitas. Os russos tentaram criar sua própria
intelectualidade, mas, como não tinham
competência para cuidar da base material, deu no
que deu. A intelectualidade (mesmo a
pró-soviética) sente de longe o doce perfume da
moeda forte e, por isso, só existe e prospera no capitalismo.
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