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<b><br>
Abaixo, artigo publicado na Folha desta segunda-feira.<br>
Tã tudo aí.<br>
Basta substituir ESCRITORES por PUBLICADORES.<br><br>
L.E.<br><br>
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</b><div align="right"><font size=1>15 de janeiro de 2007</font> <br>
<img src="cid:7.0.1.0.0.20070116013220.01ca1278@infolink.com.br.0" width=213 height=29 alt="[]">
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</div>
<div align="center"><font size=4 color="#000080"><b>NELSON ASCHER
<br><br>
</font><font size=5>Intelectuais vs. literatura <br><br>
</b></font></div>
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<div align="right"><b><i>Escritor é alguém cujas obras são ensinadas na
universidade<br>
e fazem parte do currículo <br>
</div>
<br>
</i></b>HÁ GENTE que não lê best-sellers porque não passam de lixo
consumível. Caso sejam pais ou mestres, tampouco permitem a seus reféns
que os freqüentem. Para o bem destes, que são direta e inutilmente
encaminhados rumo a Camões e Machado ou Dante, Tolstói e Proust.<br><br>
Mas, assim como nas economias tuteladas -por exemplo, a que Fidel e sua
máfia impuseram a Cuba (é fácil tutelar uma economia tão pura que, nela,
nada se compra, vende ou se produz), a que está sendo estabelecida na
Venezuela (uma monocultura petroleira onde o chefão, após privatizar para
si o subsolo e, com o saque, adquirir um eleitorado, promete converter a
sociedade inteira em propriedade privada cujos proprietários serão ele e
seus cúmplices), ou aquela com a qual sonham, em Brasília e alhures,
nossos benfeitores e candidatos a capatazes- bom, assim como nessas
economias, o que se confisca aos leitores principiantes é seu direito de
escolher, inclusive errado.<br><br>
E, sem o risco de quebrar a cara, não existe aprendizado. Quem não se
cansou de Harold Robbins não tem como saber por que Borges é bom.
Pensando bem, no entanto, a literatura "séria" que se faz hoje
em dia, as obras contemporâneas que já chegam às livrarias com o selo da
respeitabilidade, é tão maçante que talvez seja menos prejudicial à saúde
das criancinhas entregá-las à voracidade da diversão massificada que, se
não cheira, pelo menos não fede.<br><br>
Como é que a "alta" literatura atual se reduziu à tautologia
enfadonha de chavões culturalmente corretos? Por que raios há somente
poemas criticando o consumismo, a deposição do fascista sanguinário que
mandava no Iraque, ou chorando as desgraças que os palestinos infligem a
si mesmos? Por que todos os contos, romances, peças de teatro escritos
durante as últimas décadas não passam de acertos simbólicos de contas nos
quais os vilões são sempre reacionários, machistas, racistas, ricos e
egoístas, enquanto os mocinhos (que não fazem jus ao termo
"heróis") lutam, altruístas, pela sociedade solidária, justa e
sem desigualdades de renda?<br><br>
Por uma razão simples (e que ocupará as próximas colunas): toda a cultura
alta e média de nossos tempos se tornou monopólio da intelectualidade.
Durante milênios, ficcionistas, poetas, escritores, bem como artistas de
qualquer ramo, podiam ser profissionais, amadores ou muito pelo
contrário, mas intelectuais eles não eram, pois não existiam
intelectuais. A categoria não havia ainda aparecido. O intelectual e seu
coletivo (como "alcatéia" é de lobos, "corja" de
malfeitores e "vara" de porcos), a intelectualidade, foram
inventados na França, pouco antes da Revolução de 1789 -esta, aliás, sua
primeira obra-prima.<br><br>
O que é que distingue um intelectual de um romancista, um pintor, um
dramaturgo, um compositor, um filósofo ou dos gênios universais
(Leonardo, Michelangelo, Goethe) que faziam de tudo e o faziam bem? Um
intelectual, para começar, deriva seu estatuto do fato de pertencer ao
grupo, ou seja, não é o conjunto de indivíduos que forma a
intelectualidade, mas, antes, é esta que preexiste, pelo menos ideal e
conceitualmente, a seus membros, os quais precisam buscar junto a ela o
reconhecimento que importa.<br><br>
Outrora, para sê-lo publicamente, um escritor primeiro escrevia e era, em
seguida, lido, reconhecido enquanto tal, levado a sério pelos leitores.
Agora o público leitor leigo reduziu-se a um extra ou brinde de
consolação. Escritor de verdade não é o produtor de narrativas, dramas ou
poemas que sejam consumidos com maior ou menor interesse e prazer por
pessoas comuns, algo, afinal, irrelevante. Escritor é alguém cujas obras
são ensinadas na universidade e fazem parte do currículo.<br><br>
Se foram os franceses que criaram o intelectual, este átomo, tão
indivisível quanto supérfluo, da intelectualidade, quem o
institucionalizou em grande escala como ente ou entidade facilmente
reconhecível, pago, às vezes e apesar das eternas lamúrias, melhor do que
merece, foram, graças ao tamanho de seu ensino superior e à rede de
centenas de universidades afluentes, os americanos.<br><br>
Nenhuma outra nação teve ou tem tamanho excedente de capital,
pré-requisito para a manutenção dessa classe relativamente nova e
improdutiva de parasitas. Os russos tentaram criar sua própria
intelectualidade, mas, como não tinham competência para cuidar da base
material, deu no que deu. A intelectualidade (mesmo a pró-soviética)
sente de longe o doce perfume da moeda forte e, por isso, só existe e
prospera no capitalismo. <br>
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