[forum-prof] Eduardo Gaelano sobre a guerra

Luis Paulo Vieira Braga lpbraga at im.ufrj.br
Tue Jan 20 16:11:55 BRST 2009


MASSACRE EM GAZA


Eduardo Galeano

Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras 
latinoamericanas que Israel assessorou.

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio 
e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo 
seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem 
nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua 
liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. 
Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo 
castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou 
limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando 
o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em 
sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram 
submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos 
merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, 
encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que 
foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à 
margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à 
existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz 
guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da 
Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As 
balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a 
Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o 
Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas 
guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços 
seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a 
Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, 
e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das 
Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, 
que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a 
tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade 
com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não 
conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o 
governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a 
tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz 
verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional 
de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. 
Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas 
de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em 
Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos 
milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que 
a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza 
étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos 
mortos, um israelense.

Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de 
manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto 
quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar 
que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma 
potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais 
que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. 
Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as 
declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada 
impunidade. 

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E 
como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que 
outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a 
caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa 
dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e 
que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estão pagando, com sangue 
constante e sonoro, uma conta alheia.

(*) Texto publicado originalmente no jornal Brecha.

Tradução: Katarina Peixoto









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