[forum-prof] RES: Materia do jornal Valor Economico, 28/1/09 - Resposta de Bernardo Sorj publicada no Valor economico

Abraham Zakon azakon2 at globo.com
Wed Feb 11 00:31:04 BRST 2009


 

 

  

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http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?tit=Israel/
Palestina:+a+obrigação+sagrada+de+pesquisar
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/Palestina:+a+obrigação+sagrada+de+pesquisar&codmateria=5406391&dtmateria=09
+02+2009&codcategoria=96>
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Bernardo Sorj
09/02/2009


 

Quando um cientista social escreve para um jornal, pode se esperar que trate
de temas alheios a sua área de especialização. É legítimo, mas também seria
natural que ele utilize sua formação de pesquisador para que o texto se
fundamente minimamente em informações facilmente disponíveis na Internet,
caso não deseje ler um livro. 

 


O artigo de José Luis Fiori, "A visão sagrada de Israel", publicado no Valor
do dia 29 de janeiro, infelizmente expressa desconhecimento do tema tratado.
O autor desenvolve uma série de reflexões críticas sobre a política externa
do Estado de Israel e procura apoiar seu argumento em generalizações sobre
Israel, o judaísmo e os judeus, que mesmo um teólogo, com conhecimento de
causa, não ousaria arguir. Certamente, menos ainda, um cientista social. 

 


Fiori argumenta que "os judeus se consideram um só povo e uma só religião
que nasce da revelação divina". Falso, a maioria dos judeus não se considera
religiosa. Nos tempos modernos, o judaísmo se dividiu em várias correntes
religiosas e a maioria dos judeus se define como secular, isto é, ligada ao
judaísmo por uma história e tradição cultural comum, sem intervenção divina.
Inclusive foram majoritariamente judeus seculares que criaram o Estado de
Israel, cansados de esperar a redenção messiânica. 

 


Ele argumenta que o judaísmo "não depende de uma decisão ou de uma conversão
individual", o que é correto tanto para os judeus como também para todas as
nacionalidades e a maioria das religiões. Por exemplo, no catolicismo a
criança é batizada numa idade em que ainda não tem livre arbítrio. A
diferença com o judaísmo é que não existe um clero que intermedeia a relação
com Deus e, portanto, não há exigência de cerimônia que confirme o poder de
uma instituição religiosa. Por sua vez, qualquer pessoa pode se converter ao
judaísmo. 

 


Fiori cita frases da Bíblia para explicar por que os judeus se manteriam
"puros e isolados". Supostamente, segundo ele, as frases bíblicas fariam que
eles se considerassem distantes em relação a outros povos e religiões. A
citação da Bíblia ignora que entre o texto bíblico e o judaísmo atual se
passaram dois mil e quinhentos anos, e que a maioria das correntes
religiosas, e mais ainda os judeus seculares, deixaram de se guiar pelos
mandamentos bíblicos ou lhe atribuem outro sentido. 

 


Conhecer a distância entre o texto bíblico e a realidade, para não
generalizar sobre o judaísmo e os judeus contemporâneos, não exige nem
sequer ser pesquisador. É só conviver com seus colegas universitários ou ler
o jornal para descobrir que muitos membros do PT, ou PSDB, dificilmente
podem ser considerados exclusivistas ou seguidores dos mandamentos bíblicos,
e se definem como judeus. Ou para saber que a maioria dos judeus estabelece
casamentos mistos. Isso sem falar no papel que os judeus seculares tiveram
na história do movimento socialista no Brasil e no mundo. 

 


Sua conclusão de que existe um fosso intransponível entre religião e
democracia é uma generalização insustentável. Existem em Israel vários
grupos de religiosos e "rabinos pelos direitos humanos", e que se opõem à
colonização. As relações entre religião e democracia no mundo contemporâneo
são complexas e entre a maioria dos seguidores do judaísmo, cristianismo e
alguns setores do Islã existe uma aceitação plena dos valores modernos. 

 


Fiori diz que em Israel não existe casamento civil, só a cerimônia rabínica.
Falso. Em Israel todas as religiões têm suas cerimônias de casamento
reconhecidas, e existe a possibilidade de um contrato de matrimônio civil,
não-religioso. O que não significa que não se possa criticar o poder
excessivo dos rabinos e outros cleros na área do direito civil. Mas a
crítica deve ser feita com conhecimento de causa, e não com generalizações
indevidas. 

 


Conhecimento mínimo da história teria permitido a Fiori não cometer o erro
de afirmar que Israel sempre foi um protetorado anglo-saxônico. A Inglaterra
se absteve na votação das Nações Unidas que criou o Estado de Israel, que
contou com o apoio ativo e o envio de armas da União Soviética. 

 


Por trás do argumento de Fiori existe a vontade de assemelhar o Estado de
Israel, o judaísmo e os judeus à "realidade" do mundo islâmico. São
realidades que não são similares. A religião joga um papel central no Hamas
e tem crescido sua importância em Israel, mas o peso relativo em cada lado é
diferente. Ao argumentar que os palestinos estão influenciados pela
religião, mas que Israel e os judeus não ficariam atrás, ele comete um duplo
erro, de generalizar sobre Israel e esquecer que também do lado palestino
existem importantes forças e lideranças seculares. 

 


Toda a leitura que reduz o conflito entre israelenses e palestinos a um
enfrentamento religioso deixa de lado que ele é fundamentalmente um conflito
de nacionalismos, produto de uma história em que dois povos reivindicam um
mesmo território. Certamente as tradições religiosas, em maior ou menor
medida, influenciam ambos os grupos, mas os nacionalismos não foram
inspirados por leituras fundamentalistas do texto sagrado, e sim por
interesses concretos de ocupação de um espaço. Por tratar-se de um confronto
entre nações, e não de fundamentalismos religiosos, é possível uma solução
negociada. 

 


Imputar certas características ao conjunto de nações, etnias ou religiões a
partir de frases retiradas dos textos sagrados vai na contramão de tudo o
que as ciências sociais tem a ensinar sobre a riqueza e diversidade dos
grupos sociais. Generalizações sobre qualquer grupo estão sempre ao serviço
do preconceito, alimentam o desconhecimento e facilitam o ódio. Elas
certamente não contribuem para o conhecimento mútuo, único caminho para
fazer avançar a paz. 

 

 


Bernardo Sorj é professor titular de Sociologia da UFRJ e diretor do Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais. Seu último livro é "O Desafio
Latino-Americano: Coesão Social e Democracia" (Editora Civilização
Brasileira, 2007). 

 

 


A visão sagrada de Israel


José Luis Fiori
28/01/2009
  



  



"Se o Hamas quer acabar com Israel, Israel tem que acabar com o Hamas antes"
- Efraim, 23 anos, estudante de uma escola religiosa de Jerusalém, FSP
24/01/2009. 

 


Durante vinte um dias de bombardeio contínuo, Israel lançou 2.500 bombas
sobre a Faixa de Gaza - um território de 380 km² e 1.500 milhão de
habitantes - deixando 1.300 mortos e 5.500 feridos, do lado palestino, e 15
mortos, do lado militar israelita. A infra-estrutura do território foi
destruída completamente, junto com milhares de casas e centenas de
construções civis. E é provável que Israel tenha utilizado bombas de
"fósforo branco" - proibidas pela legislação internacional com conseqüências
imprevisíveis , no longo prazo, sobre a população civil, em particular a
população infantil. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, se declarou
"horrorizado", depois de visitar o território bombardeado, e considerou
"escandalosos e inaceitáveis" os ataques israelitas contra escolas e
refúgios mantidos em Gaza, pelas Nações Unidas. Richard Falk, relator
especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos em Gaza, também
declarou que, "depois de 18 meses de bloqueio ilegal de alimentos, remédios
e combustível, Israel cometeu crimes de guerra e contra a humanidade, na sua
última ofensiva contra os territórios palestinos. Crimes ainda mais graves
porque 70% da população de Gaza tem menos de 18 anos" . Dentro de Israel,
entretanto - com raras exceções - a população apoiou a operação militar do
governo israelita. Mais do que isto, as pesquisas de opinião constataram que
o apoio da população foi aumentando, na medida em que avançavam os
bombardeios, até chegar à índices de 90%. E no final, na hora do
cessar-fogo, metade desta população era favorável à continuação da ofensiva,
até a reocupação de Gaza e a destruição do Hamas. (FSP, 24/01/09). 

 


Seja como for, duas coisas chamam a atenção - de forma especial - nesta
última guerra: a inclemência de Israel, e sua indiferença com relação às
leis e às críticas da comunidade internacional. Duas posições tradicionais
da política externa israelita, que têm se radicalizado cada vez mais, e são
quase sempre explicadas "escalada aos extremos" do próprio conflito. Mas
existe um aspecto desta história que quase não se menciona, ou então é
colocado num segundo plano, como se as "visões sagradas" do mundo e da
história fossem uma característica exclusiva dos países islâmicos. Desde sua
criação, em 1948, Israel se mantém sem uma constituição escrita, mas possui
um sistema político com partidos competitivos e eleições periódicas, tem um
sistema de governo parlamentarista segundo o modelo britânico e mantém um
poder Judiciário autônomo. Mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, Israel é um
Estado religioso, e grande parte de sua população e dos seus governantes tem
uma visão teológica do seu passado e do seu lugar dentro da história da
humanidade. Israel não tem uma religião oficial, mas é o único Estado judeu
do mundo, e os judeus se consideram um só povo e uma só religião que nasce
da revelação divina direta e não depende de uma decisão, ou de uma conversão
individual: "se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis
uma propriedade peculiar entre todos os povos. Vós sereis para mim um reino
de sacerdotes e uma nação santa", Êxodo, 19, 5-6. Além disto, o judaísmo
estabelece normas e regras específicas e inquestionáveis que definem a vida
cotidiana e comunitária do seu povo, que deve se manter fiel e seguir de
forma incondicional as palavras do seu Deus, mantendo-se puros, isolados e
distantes com relação aos demais povos e religiões: "não seguireis os
estatutos das nações que eu expulso de diante de vós... eu Javé, vosso Deus,
vos separei desses povos. Fareis distinção entre o animal puro e o impuro...
não vos torneis vós mesmos imundos como animais, aves e tudo o que rasteja
sobre a terra", Levítico, 20, 23-25. Para os judeus, Israel é a continuação
direta da história deste "povo escolhido", e por isto, a sua verdadeira
legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos. O Torá
conta a história do povo judeu e é a lei divina, por isto não pode haver lei
ou norma humana que seja superior ao que está dito e determinado nos textos
bíblicos, onde também estão definidos os princípios que devem reger as
relações de Israel com seus vizinhos e/ou com seus adversários. Em Israel
não existe casamento civil, só a cerimônia rabínica, e os soldados
israelenses prestam juramento com a Bíblia sobre o peito e com a arma na
mão: "Javé ferirá todos os povos que combateram contra Jerusalém: ele fará
apodrecer sua carne, enquanto estão ainda de pé, os seus olhos apodrecerão
em suas órbitas, e a sua língua apodrecerá em sua boca", Zacarias, 14,
12-15. 

 


As idéias religiosas dos povos não são responsáveis nem explicam
necessariamente as instituições de um país e as decisões dos seus
governantes. Mas neste caso, pelo menos, parece existir um fosso quase
intransponível entre os princípios, instituições e objetivos da filosofia
política democrática das cidades gregas, e os preceitos da filosofia
religiosa monoteísta que nasceu nos desertos da Ásia Menor. Mas o que talvez
seja mais importante do ponto de vista imediato do conflito entre judeus e
palestinos, e do próprio sistema mundial, é que Israel - ao contrário dos
palestinos - junto com sua visão sagrada de si mesmo, dispõe de armas
atômicas, e de acesso quase ilimitado a recursos financeiros e militares
externos. Com estas idéias e condições econômicas e militares, Israel seria
considerado - normalmente - um Estado perigoso e desestabilizador do sistema
internacional, pela régua liberal-democrática dos países anglo-saxônicos.
Mas isto não acontece porque no mundo dos mortais, de fato, Israel foi uma
criação e segue sendo um protetorado anglo-saxônico, que opera desde 1948,
como instrumento ativo de defesa dos interesses estratégicos
anglo-americanos, no Oriente Médio. Enquanto os anglo-americanos operam como
a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada" de
Israel. 

 


José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor
do livro "O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações" (Editora Boitempo,
2007). Escreve mensalmente às quartas-feiras. 

 

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