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<div align="right"><font color="#154575"><b>VEJA<br>
</font>Edição 2077<br>
</b>10 setembro 2008 <br><br>
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<div align="center">Diogo Mainardi<br>
<font size=5><b>Um aborto é igual ao outro<br><br>
</b></font></div>
<div align="right">"O aborto é uma escolha puramente pessoal. O que
<br>
é moralmente repugnante é o conceito de que alguns <br>
merecem ser abortados mais do que outros"<br><br>
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Sarah Palin, no congresso do Partido Republicano, prometeu que, se
eleita, assumirá o papel de patrona das pessoas com necessidades
especiais. Um Santo Egídio na Casa Branca. Um Santo Egídio de
batom.<br><br>
O recém-nascido de Sarah Palin é Down. Seu nome é Trig. Trig rapidamente
se tornou uma das principais bandeiras da campanha presidencial
americana. Ele é agitado de um lado para o outro, passando de colo em
colo, de palco em palco. Sarah Palin descobriu que Trig era portador de
síndrome de Down durante a gravidez. Em vez de abortá-lo, foi adiante com
a gravidez mesmo assim.<br><br>
Sarah Palin é contrária ao aborto. Me incomoda um tantinho que seus
partidários e opositores sempre associem Trig a esse fato. Ter a síndrome
de Down parece qualificá-lo automaticamente para um aborto. Os
partidários de Sarah Palin interpretam a escolha de ter parido Trig como
um sinal de grandeza. Seus opositores a interpretam como um sinal de
obtusidade religiosa. Mas abortar Trig teria sido igual a abortar Track,
ou Bristol, ou Piper, ou Willow. Um aborto é igual ao outro. <br><br>
Eu entendo do assunto. Tenho dois filhos. Como Sarah Palin, agito-os de
um lado para o outro, de artigo em artigo. Ela tem Track e Trig, eu tenho
Tito e Nico. Tito passou por todos os testes pré-natais. Naquele tempo,
eu era um palerma, e o teria abortado até mesmo se seu ultra-som
mostrasse algo simples como um pé chato. Na hora do parto, devido a uma
barbeiragem médica, Tito sofreu uma paralisia cerebral. Isso mudou tudo.
Eu mudei. Quando decidimos ter outro filho – Nico –, perguntei-me se o
abortaria caso os testes pré-natais indicassem alguma anomalia, por mais
séria que fosse. A resposta: jamais. Jamais? Jamais. <br><br>
Do Alasca para a Inglaterra. David Cameron, líder do Partido Conservador,
tem um filho com paralisia cerebral. Seu nome é Ivan. Como Sarah Palin e
eu, David Cameron agita Ivan de um lado para o outro, de reportagem em
reportagem. Ele argumenta que seu caso pessoal pode ajudar a esclarecer
algumas de suas idéias políticas. Ao contrário da maioria de seus
correligionários, ele defende a liberdade de abortar até a 39ª semana de
gravidez, em caso de fetos defeituosos, e só até a vigésima semana, em
caso de fetos sem defeitos. Ele está disposto a estabelecer – por lei –
uma disparidade hedionda. <br><br>
O nazismo matou mais de 70 000 deficientes físicos e mentais nas câmaras
de gás. Os princípios da SS vingaram. Agora os testes pré-natais permitem
determinar quem pode viver e quem pode morrer. É um Aktion 14F13
intra-uterino.<br><br>
O aborto é uma escolha puramente pessoal. Todos deveriam ser livres para
fazer o que bem entendem. É uma estupidez legislar demais sobre o tema. O
STF, em meio aos grampos, julga os casos de aborto de anencéfalos, mas o
fato é que, no Brasil, qualquer um que queira abortar, aborta, na
vigésima ou na 39ª semana de gravidez. O que é moralmente repugnante é o
conceito de que alguns merecem ser abortados mais do que outros. Trig.
Tito. Ivan. <br><br>
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