<html>
<body>
<div align="center"><b>O Globo 27 Jan 05<br>
Cartas do Leitor<br><br>
<br>
Segundo Tarso <br><br>
</div>
O artigo “A Constituição segundo Tarso”, de Ali Kamel (25/01), é
revelador da real divergência de opinião que temos a respeito da Reforma
do Ensino Superior. O que se trata, em última instância, é o seguinte: a
Reforma do Ensino Superior deve ou não buscar cumprir os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritas no art. 3 da
Constituição federal? A posição que Ali Kamel sustenta é que buscar
cumprir aqueles objetivos é enquadramento e autoritarismo. Engana-se. Os
objetivos fundamentais da República são vinculativos para qualquer ação
dos agentes públicos, mas a mediação que transita da norma
constitucional até a ação do agente público é sempre de natureza
política. É o espaço da política, que na democracia só tem um comando
absoluto: os direitos e deveres originários de todos os dispositivos
constitucionais. Ao querer secundarizar o comando constitucional mais
importante, que está contido nos princípios constitucionais, o
jornalista, na verdade, quer é dizer que sua ideologia e sua visão da
política são legítimas e as demais são “soviéticas” e autoritárias. Ali
Kamel deveria informar-se melhor sobre a teoria geral do direito
constitucional, verificando o que dizem, por exemplo, juristas como Paulo
Bonavides, Joaquim Canotilho e Konrad Hesse. Este último diz, por
exemplo: “A Constituição (...) não configura apenas expressão de um ser,
mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo
das condições fáticas de sua vigência, particularmente às forças sociais
e políticas, procurando imprimir ordem e conformação à realidade política
social.” (Em “A força normativa da Constituição”). Não estou dizendo que
a sua interpretação não pode ter abrigo dentro da ordem constitucional
democrática. A interpretação é sempre tencionada pela ideologia do
intérprete, mais progressista ou mais conservador. O que estou dizendo é
que a posição do MEC a respeito da Reforma do Ensino Superior é legítima,
republicana, democrática e tem mais abrigo na Constituição brasileira
atual do que a interpretação de Ali Kamel, que suprime o texto
constitucional e identifica a educação como uma mercadoria qualquer. Sua
interpretação é tão intolerante que chega até a apontar como “soviética”
a mera relação consultiva da universidade com a sociedade. Repito: o
sovietismo autoritário, que vem dos “poderes objetivos”, seja da
economia, seja da burocracia, é bem mais parecido com o neoliberalismo do
que com as teorias socialistas democráticas. O neoliberalismo extingue a
força normativa das leis e só reconhece, sempre, uma alternativa:
obedecer às “leis do mercado” que, na verdade, são sempre interesses de
parte do mercado, sempre a mais poderosa. <br><br>
TARSO GENRO <br>
ministro da Educação (por e-mail, 26/1), Brasília, DF <br><br>
<br>
</b></body>
</html>