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<blockquote type=cite class=cite cite=""><div align="right"><a href="http://estado.com.br/editorias/2005/01/27/aberto050127.html">ESPAÇO
ABERTO</a>
<a href="http://estado.com.br/editorias/2005/01/27/capa050127.html">O
ESTADO DE S.PAULO</a> <br>
27 de janeiro de 2005 <br>
</div>
<br>
<div align="center"><font size=5><b><u>Deforma universitária
</u></b></font><br>
</div>
<br>
<div align="right"><b>Roberto Macedo </b><br>
</div>
<br>
Meu dicionário tem reforma e reformação como sinônimos. Tem também
deformação e poderia ter o substantivo deforma pelo recurso lingüístico
de criar palavras adicionando prefixo a uma já existente. Prefiro deforma
porque soa melhor em oposição a reforma. Serve também para enfatizar que
a diferença entre uma coisa e outra aparentemente pode ser pequena, mas
enorme no seu significado. <br><br>
Refiro-me ao projeto de reforma universitária do Ministério da Educação
(MEC), que levará, se infelizmente aprovado e sancionado como se
encontra, a uma deforma das instituições de ensino superior (IES) naquilo
que lhes é vital, a forma de gestão. <br><br>
Em todo o documento permeia a idéia de gestão "democrática e
colegiada". Nessa linha, nas universidades federais se impõe a
escolha do reitor e do vice-reitor mediante eleição direta pela
comunidade universitária. <br><br>
Ora, num raciocínio que não cabe numa comunidade desse tipo, que se diz
pensante, prevalece em segmentos dela, com alcance em outros círculos, a
crença de que esse processo é democrático. Entretanto, uma autêntica
democracia se sustenta no preceito de que todo o poder emana do povo e em
seu nome será exercido. O presidente Lula foi assim eleito, mas com essa
democracia universitária ele e/ou seu ministro da Educação seriam
impedidos de ter qualquer influência na escolha - digamos, de uma lista
tríplice de candidatos - dos dirigentes de instituições que integram o
Poder Executivo federal. <br><br>
Que democracia é essa que se quer exercida isoladamente na universidade,
sem dar satisfações à sociedade em geral? Deveria assumir o nome que
merece, o de corporativismo explícito. <br><br>
No processo, também não há preocupação com a eficácia e a eficiência. Se
existisse, uma autêntica reforma deveria abrir caminhos para escolha de
executivos competentes, e não de muitos que se elegerão a partir de
compromissos corporativistas com um colégio eleitoral em que se
misturarão professores, alunos e funcionários. <br><br>
Ao lado do reitor e dos pró-reitores, na cúpula das universidades
usualmente têm grande papel os Conselhos Universitários. Na USP, nele
predominam os diretores e outros representantes das várias faculdades.
Pelo projeto, viria um novo Conselho, o Comunitário Social (CCS), para
"... assegurar a participação da sociedade em assuntos relativos ao
ensino, à pesquisa, à administração e ao planejamento da
universidade...", com várias prerrogativas listadas em cinco itens,
constituído pelo reitor "... e, sempre com participação majoritária,
por representantes de entidades de fomento científico e tecnológico,
entidades corporativas, associações de classe, sindicatos e da sociedade
civil". <br><br>
Ora, para que mais um conselho a emperrar ainda mais processos decisórios
já tradicionalmente marcados pela lentidão? Por que não integrar alguns
desses representantes nos Conselhos Universitários, nos quais igualmente
poderiam dar seus palpites e captar o que lá dentro se passa para os
segmentos que representam? <br>
<br>
Noutra carência que não faz justiça ao adjetivo universitária, propostas
como essas não se sustentam em nenhuma evidência científica de que tal
modelo de gestão "democrática e colegiada", na forma em que é
mal entendido aqui, seja um paradigma de eficácia e eficiência em outras
universidades, em particular as de maior prestígio mundial. Como até sua
teoria é falha, pois não é democrático e é pouco provável que reitores
assim eleitos e mais esse conselho levem a uma gestão melhor, há sérias
razões para se temer pelos resultados deformadores do projeto. <br><br>
A se disseminarem essas distorções, para avaliar seus resultados seria
interessante comparar tal forma de gestão com outras diferentes e
praticadas também no próprio País, se várias outras IES tivessem
liberdade para escolher alternativas. Mas, não. Em particular, o projeto
estende às IES privadas a mesma camisa-de-força de gestão
"democrática e colegiada", numa violência à iniciativa e à
natureza não-governamental dessas instituições. Assim, estabelece que nas
universidades e nos centros universitários privados pelo menos um de seus
dirigentes, no nível de pró-reitor ou equivalente, também será escolhido
mediante eleição direta pela respectiva comunidade. Além disso, todas as
IES privadas serão obrigadas a ter um conselho superior (mais o CCS, se
forem universidades) responsável pela elaboração das normas e diretrizes
acadêmico-administrativas com participação de representantes docentes,
discentes, funcionários e da comunidade, no qual os integrantes da
entidade mantenedora da IES privada e os exclusivamente administradores
desta não poderão exceder 30% da representação total. <br><br>
No projeto há vários outros absurdos em termos das boas práticas de
gestão, como os privilégios orçamentários conferidos às universidades
federais sem contrapartida de desempenho; as novas exigências exigidas
das IES privadas que sobrecarregarão a estrutura administrativa do MEC,
colocando mais dificuldades e ampliando o "mercado de
facilidades"; nas IES federais, a isonomia salarial nacional de
docentes e servidores e a absurda forma de contratação de alunos
instrutores ou monitores, na forma de primeiro emprego, apenas entre os
alunos de famílias mais pobres; e por aí afora. <br><br>
São muitos os aspectos vulneráveis do projeto e será necessário voltar ao
assunto para examinar alguns separadamente. E, também, para destacar o
pouco que vi de bom no projeto. Em particular, a tentativa de levar à
introdução dos ciclos básicos e da orientação para escolha de carreira
profissional nos cursos universitários, uma idéia que, entretanto, corre
riscos em face do modelo de gestão que o projeto pretende consagrar.
<br><br>
Roberto Macedo, economista <br>
(USP), com doutorado pela <br>
Universidade de Harvard (EUA), <br>
é pesquisador da Fipe-USP e <br>
professor da Universidade <br>
Presbiteriana Mackenzie. E-mail: roberto@macedo.com
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