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<b>From: Professor Luiz Paulo<br>
</b>At 18:15 20/1/2005, you wrote:<br>
<blockquote type=cite class=cite cite=""><div align="center"><font size=4><b><u>De
Rondon a Rondon</u></b></font><br>
</div>
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Em 1969, juntamente com alguns colegas de colégio, todos devidamente
monitorados pelos integrantes da pastoral da terra, tomamos o rumo de
Rondonópolis às margens da estrada Cuiabá ­ Porto Velho, então em
construção. Nossa modestíssima missão era ajudar ex-garimpeiros na
preparação para o exame supletivo, um dos muitos programas que a igreja
católica local chefiada por Dom Pedro Casaldaglia conduzia na região,
apesar das pressões dos militares para expulsá-lo. Ainda era possível
encontrar vestígios da rede do telégrafo implantado pelo Marechal Rondon,
cujo nome e fama humanista foram tomados emprestados dois anos antes pelo
governo militar para batizar um programa social envolvendo universitários
e populações desassistidas de regiões remotas do país. A época era de
crescimento econômico mas também de muita repressão política e
desigualdade social, o projeto Rondon  tinha o duplo papel de
mostrar uma face mais social do governo, assim como dar uma <br>
alternativa aos universitários que quisessem se demarcar do “radicalismo”
da extinta UNE. Na década de oitenta o projeto foi extinto juntamente com
outros instrumentos do período ditatorial.<br><br>
Quase quarenta anos depois o atual governo reedita o projeto Rondon,
supostamente e improvavelmente a pedido da UNE !  No discurso do
presidente uma injustiça com FHC ­ a de que os governos anteriores não
desenvolveram programas semelhantes -  A versão social democrata do
projeto Rondon existiu sim, chamava-se Universidade Solidária e integrava
o pacote de ações neo assistencialistas daquele governo. Já na
intervenção do representante estudantil uma improvável finalidade
bombástica do projeto ­ contrapor-se às ONGs que na Amazônia
contrabandeiam nossas riquezas naturais...  A imagem do presidente
com o chapéu de legionário do projeto Rondon de outrora evoca
coincidências impressionantes ­ o PP , núcleo duro da ex- ARENA, face
civil do regime militar daquela época, passa a integrar a base aliada. E,
Dom Pedro Casaldaglia, hoje um ancião, está impedido pela alta hierarquia
da igreja de permanecer na região, aguardando seu sucessor. Isto, sem
mencionar a importância que os velhos caciques de sempre têm neste
governo. O abraço dos neo trabalhistas com as forças mais conservadoras
do país parece-se mais com <br>
um abraço de afogados, reflete a inação do atual regime diante de um
horizonte desafiador que de um lado reune poderosas corporações <br>
multinacionais que tudo tragam ao seu redor, e de outro, uma imensa
população desorganizada e carente de quase tudo.  <br>
 Prof. Luis Paulo<br>
DME<br>
C.P. 68530<br>
21945-970 Rio de Janeiro, RJ<br>
braga@dme.ufrj.br<br>
lpbraga@gbl.com.br</blockquote><br><br>
<br>
Luiz Paulo,<br><br>
Acho que foi em 1974, fiquei uns 40 dias em Cruzeiro do Sul, no Acre, no
Campus Avançado da UNICAMP, vestindo aquela camisetinha amarelada do
Projeto Rondon, sem ter muito o que fazer, além de jogar volley no
Batalhão do Exército, com os oficiais, às 4 da tarde, almoçar salsicha em
lata,  raspar a barba porque apareceu piolho, tirar bicho de pé e
ouvir meus colegas de Odonto relatarem sobre as dezenas de dentes que
eles arrancavam por dia, todo dia.<br><br>
Tinha Copa do Mundo, mas não tinha como acompanhar, porque naquela
cidade, a segunda mais importante daquele Estado, não pegava estação de
rádio com os jogos. Os resultados a gente ficava sabendo, muito depois,
por alguma rádio peruana, que também pegava mal, muito mal.<br><br>
Sem nenhuma orientação, comecei a realizar um levantamento sobre o
agribusiness local.<br>
Tinha uma fábrica de refrigerante, financiada com dinheiro da SUDAM, que
pagava a molecada pra catar tampinha velha, pelo chão dos bares e pela
rua, pra reutilizar, já que não conseguia comprar tampinha nova. O
guaraná deles vinha com tampinha de cerveja, de coca-cola, de fanta... e
não vedava suficientemente, perdendo gas, o que limitava a validade do
produto a algumas horas apenas, e então ele tinha que entregar nos bares
todos os dias, pro bagulho ser vendido antes do meio da tarde.<br><br>
Havia mais umas dez agroindustrias lá, desse tipo, incluindo sorvetes e
coisas assim, todas em situação pior que a de refrigerantes, a maior
parte delas fechada, inoperante, com o empresário tendo desviado o
dinheiro pra outras finalidades, como aquisição de caminhões, por
exemplo, ou carros e bens para a casa.<br><br>
Eu não tinha idade nem formação pra fazer um trabalho desses.<br>
Pra me intrometer nessa questão.<br><br>
Se o Governo consegue fazer chegar dinheiro lá... deveria ter também como
fazer chegar orientação técnica e monitoramento.<br>
Mesmo assim chegamos a organizar uma reunião com todos os empresários, à
noite, para delinear alternativas de recuperação dos investimentos.<br>
Isso bagunçou a cidade.<br><br>
Também criei lá um programa na rádio local, de informação em saúde e
música. Ouvintes telefonavam pra responder sobre assuntos
"ensinados" na tarde anterior. E concorriam a um jantar no
Campus. A comida era péssima, mas as garotas locais queriam muito
conversar com os rondonianos, né ?<br><br>
Para mim, pessoalmente, fui um aprendizado bastante bom.<br>
Era a segunda vez que ia à Amazonia: a primeira havia sido uma viagem de
navio, dois anos antes, como prêmio de um concurso de monografias sobre
"Recursos Aquáticos".<br><br>
Para a população local, tudo que restou foram dentes  a
menos.<br><br>
Em tudo a minha experiencia coincide com a do Luiz Paulo.<br>
Não são opiniões ou paixões.<br>
São relatos de experiências vividas.<br><br>
Apenas acho que o Luiz Paulo esqueceu de incluir, no final, que não são
apenas as multinacionais. Existe, muito pior que elas, e além ainda dos
grupos do mercado financeiro, papelento em vez de empreendedor, um vasto
grupo de empresarios nacionais predadores, destruindo toda a estruturação
produtiva. Mas isso já é outro assunto.<br><br>
Bom sábado.<br><br>
Luiz Eduardo R. de Carvalho<br>
<a href="http://www.ufrj.br/consumo" eudora="autourl">www.ufrj.br/consumo<br>
</a>luizeduardo@ufrj.br<br><br>
</body>
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